segunda-feira, 27 de junho de 2011

Memórias Intactas (1 de 7)

Chega-se a uma idade em que deambulamos secreta e livremente por territórios intangíveis. Nomes que se associam, cores e sons que se contaminam, versos que lembram outros versos, ligações, enlaces, a «sintaxe interior em que se traduz a mais alta função da inteligência» de que Eugenio d’Ors fala num texto remoto, publicado em 1948, por ocasião do primeiro centenário do caminho-de-ferro espanhol (Mente y tren. Confesiones de un viajero en ferrocarril).
Foi como historiador de arte que primeiro conheci o escritor catalão, um dos que mais contribuiu para a reavaliação da estética do barroco, defendendo o princípio polémico da sua constância histórica e retirando-o da «galeria de horrores» onde o neoclassicismo o tinha enclausurado. Ignorava ainda como, no Glosario, tinha empreendido a elevação da anédocta a categoria. Desta vez, na cinzenta manhã madrilena, procurara em vão a sua proposta de Tres horas en el Museu del Prado. Sem esse pessoalíssimo guia, e numa dessas tardes de chuva inaugural em que as cidades cedo correm, céleres, para casa, tornando mais evidente o desabrigo de quem anda na rua, o Prado ficou mais longe, mais penoso o caminho e mais curta a visita. [continua]