segunda-feira, 7 de junho de 2010

Memórias Intactas

Evoco noites de Verão, em casa dos avós paternos, a casa mais quieta e silenciosa de quantas conheci, quando umas tias velhas, repassadas de perfume e pó-de-arroz, que jogavam maliciosamente às cartas, e não gostavam de perder, reclamavam o gramofone. Um só disco, daqueles discos pesados de setenta e oito rotações que já então eram relíquias, lhes interessava. Era uma gravação de alguém, um homem, que começava a rir baixinho, um riso entrecortado que ia ganhando volume e fluidez até rebentar em gargalhadas sucessivas, renovadas, convulsivas, largas, ofuscantes. Nada escapava àquele riso. Ríamos até às lágrimas, até nos doer a barriga. Era um riso higiénico, terapêutico. Este humor obrigatório e vulgar que agora nos cerca e nos força a face é a degradação, a decadência do riso.