Imaginar, escrever
O que chamamos literatura é a metaforização ilimitada da viagem - limitada - da vida. Não importa que esta projecção metafórica se realize a partir de um cenário imóvel, nem sequer que o seu artífice renuncie a toda e qualquer deslocação física: em todos os casos, o escritor viaja sob o impulso do imprescindível motor da imaginação. Sem esse motor, não existe qualquer possibilidade de criação artística. Poderíamos estar todos de acordo a este respeito. Recordemos, contudo, que todas as tentativas de iluminar o significado da imaginação se realizaram sempre, obrigatoriamente, em termos de viagem e, mais concretamente, recorrendo ao contraste entre a realidade empírica, quotidiana, do homem e «outra realidade» atravessada por um sem fim de trajectos que conduzem a todas as partes e, simultaneamente, a nenhuma. Imaginar é percorrer, à deriva, alguns desses trajectos. Escrever é tratar de superar a deriva através da ilusão de um rumo.
Rafael Argullol, «El "Viaje de viajes"» em Maldita perfección. Escritos sobre el sacrifício y la celebración de la belleza, Alcantilado, Barcelona, 2013.