quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Gregor Von Rezzori por Claudio Magris

«Era uma vez, era uma vez o dia em que quis lançar um olhar sobre o futuro. Nada mais do que um pequeno olhar. Após algumas visões preliminares daquilo que, muito rapidamente, deveria ainda vir do passado, perdi toda e qualquer curiosidade pelo dia de amanhã. Aprendi que o que tem de vir, vem. O que tem de acontecer, acontece. Isto é assim, e ultrapassa-me. O que me deixa pouco poder de decisão em relação ao momento que se segue. Digo: esse instante que se segue - cada instante que se segue - transborda de fatalidade. O que sempre escolhi após madura reflexão está destinado a ter consequências de que não prevejo os meandros. Elas são determinadas pelo tempo. Implantam-se nele e nele se perdem como tudo o resto. A única prova de que alguma coisa se produziu é podermos contá-la. O mundo é um formidável sótão de contos sobre aquilo que já foi contado. Tudo que foi, foi-o como foram os sáurios. Era uma vez.»


Assim se inicia o livro Mir auf der Spur, de Gregor Von Rezzori (Sur mes traces, trad. Pierre Deshusses, Editions du Rocher/Le Serpent à Plumes, col. Motifs, 2006). Citar Rezzori, autor que comecei a ler em circunstâncias particularíssimas que não vem ao caso contar aqui e que consta há muito da lista de autores referidos neste blogue, vem agora a propósito do livro de Claudio Magris, recentemente editado em português (Alfabetos, trad. Antonio Sabler, Quetzal), que, reunindo textos dispersos, recolhe o discurso proferido pelo autor triestino na entrega do Prémio Rezzori em 2007 («O Epígono Precursor»). Amigo de Georg Von Rezzori, Grisha para os amigos, Magris traça do autor um justo e pessoal retrato.

Rezzori não está publicado em Portugal. Pode ser que o prestígio de Magris contribua para que algum dia isso seja alterado.