Memórias de um republicano
No dia 5 de Outubro (...) fui ao cemitério prestar homenagem a meu pai [António Alfredo Fernandes, n. 1870], falecido em 25 de Fevereiro de 1942, com 72 anos de idade, e a minha mãe [Perpétua Bárbara de Mértola Fernandes], falecida em 25 de Dezembro de 1958, de morte horrorosa (...).
Fui-lhe prestar homenagem neste dia 5 de Outubro, porque tendo sido um fervoroso idealista Republicano e liberal, foi para ele talvez o dia mais feliz da sua vida. Tinha sete anos e lembro-me bem desse dia.
Teve altos e baixos na sua vida, tendo nascido com alguns bens e uma vida boa antes de 1910. [...] casando muito novos, tiveram onze filhos, não tendo eu conhecido quatro, que faleceram. Ficaram sete, que criaram com muitos sacrifícios, porque trabalhando muito, tendo tido altos e baixos, para a vida os criaram.
Meu pai foi a princípio lavrador e proprietário de propriedades rústicas e urbanas. Foi comerciante, no que não foi feliz; isto antes do 5 de Outubro de 1910, quando já lutava pelos seus créditos políticos com sinceridade. Foi um grande lutador pela causa Republicana. Era inteligente e escrevia bem.
Foi colaborador de vários jornais Republicanos, como A Luta de Brito Camacho e O Mundo de França Borges, e nos jornais de província com ideais republicanos, como O Porvir, de Beja, de que era director Oliveira de Almeida, (que, quando eram recebidos em Aljustrel, se dizia «hoje há notícias de Aljustrel, e vendiam-se todos os jornais).
Foi sempre combativo, na defesa dos seus ideais, e sincero. (...) Nada pediu para seu interesse quando se implantou a República. Era, nessa data, professor da Escola do Centro Republicano de Aljustrel, de que foi fundador no tempo da monarquia.
Quando da implantação da República, foi amnistiado de cinco processos de querela, por ser combativo. O meu pai, em 1908, estava entre os cinquenta republicanos destinados a ser deportados para Timor.
Em 1913, desterrou-se ele próprio, levando a família para uns foros na Água Derramada, concelho de Grândola, onde desbravou charnecas e matos, e onde todos estivemos doentes com sezões e à beira da morte. Lembro-me bem da angústia de meu pai e da minha querida mãe.
Tendo passado dois anos sobre a implantação da República, por discordâncias políticas, não concordando com determinados políticos, exilou-se para umas charnecas (...) onde, com a família, passou o pior tempo da sua vida.
Recordações recolhidas em anotações escritas por Egídio Alfredo Fernandes (Aljustrel, 1903 - Ferreira do Alentejo, 1993) no dia 5 de Outubro de vários anos da década de 1980.