sexta-feira, 23 de julho de 2010

Good Old Ste/ terceira parte

Good Old Ste/ primeira parte
Good Old Ste/ segunda parte

A vida de Zweig surge-nos atravessada pela necessidade absoluta de se manter um espírito livre, sem outra obediência que não fosse à sua convicção íntima e a uma cordialidade civilizacional (que está na origem do seu pacifismo), a que se liga o seu cosmopolitismo de judeu e na qual os valores da amizade (o belíssimo texto sobre Joseph Roth) ocupam um lugar primordial. E um amor constante da literatura (e da música, e das artes) que se comunica a tudo o que a rodeia. E é na relação de Zweig consigo, com os outros e com os seus ideais, que vamos percebendo como o seu mundo se foi tornando progressivamente de ontem e nesse desvanecimento se inscrevem as razões do seu próprio fim.
Quando observa «a que ponto o homem é um ser frágil e fácil de aniquilar» prefigura-se já a obsessão que o levaria a emoldurar, na casa onde pôs fim à vida, a estrofe final do Canto Primeiro de Os Lusíadas: «Onde pode acolher-se um fraco humano,/ Onde terá segura a curta vida,/ Que não se arme, e se indigne o Céu sereno/ Contra um bicho da terra tão pequeno?»
O livro de Zweig não reclama um absoluto acordo ou desacordo, mas um acerto com o ritmo da sua respiração, uma disponibilidade para nos deixarmos impregnar pela atmosfera, jubilosa ou trágica, desse mundo tão profundamente situado.
Contemplo a mansão do Kapuzinerberg, que albergou as mais ilustres figuras da primeira metade do século vinte. Leio os seus textos sobre Proust, Verlaine, Hölderlin, Kleist, Nietzsche, Mahler. A leitura é um movimento de expansão. Sento-me a ouvir de novo «A Canção da Terra», na interpretação de Kathleen Ferrier e da Filarmónica de Viena dirigida por Bruno Walter, outro amigo de Zweig. Retomo a poesia de Rilke, a quem «nada podia perturbar tanto como o ruído e, na ordem dos sentimentos, qualquer espécie de veemência». Por sorte, tenho diversas belas fotografias dele numa biografia-estudo de Balthus que me chegou não há muito tempo e me ajudam agora a perscrutar a música do seu olhar sob os versos. Corro a descobrir Die schweigsame Frau, a ópera de Richard Strauss com libreto de Zweig (sobre a peça de Ben Jonson Epicoene: or The Silent Woman), cujo nascimento é narrado em O Mundo de Ontem e cujo desfecho reflecte bem o espírito zweiguiano. Obstino-me mesmo em adquirir a gravação realizada durante o Festival de Salzburgo, que Zweig acompanhou desde o nascimento, sob a direcção de Karl Böhm, o maestro que dirigiu a estreia em Dresden, em 1935. Que melhor homenagem ao «good old Ste» – como era tratado, segundo Klaus Mann, no período americano do seu exílio – estaria ao meu alcance?