quinta-feira, 22 de julho de 2010

Good Old Ste / segunda parte

Good Old Ste/ primeira parte

O que agora me atraiu no mundo de Stefan Zweig foi, em primeiro lugar, o encanto dos encontros, o gosto de gostar que domina a sua arte do retrato literário. Um esboço veloz, uns quantos traços e a personagem ressuscita na visão benigna e cordial do autor («não podemos reconhecer plenamente um criador se não evocarmos simultaneamente a imagem do homem»). E a devoção de Zweig – bem expressa na vertigem de ver a filha do médico de Goethe, sobre quem um dia pousara o olhar do poeta – transforma-se no respeito, na emoção do respeito, do leitor nostálgico desse mundo em que conhecer um autor admirado é um acontecimento. Esse universo testemunhal, do encontro e da sua peripécia, não faz moda. Pouco importa: «quando amamos sozinhos, amamos sempre a dobrar».
Lendo a autobiografia de Zweig é um mundo de ontem que vem ao nosso encontro, trazido pela sua intuição de que «não é nunca pelos livros, nem mesmo por diligentes deambulações, que reconhecemos um povo, uma cidade, pelo que têm de mais íntimo e de mais secreto, mas sempre pelos seus mais excelentes representantes». E quantos representantes excelentes Zweig conheceu a partir do espaço vienense do princípio do século passado, coração da sua ideia de uma Europa espiritualmente fraterna. Deparamos com o jovem, mas já célebre, Hofmannsthal à conversa no café, sentimos a presença essencial de Hermann Bahr, fascinamo-nos com a sociabilidade silenciosa e cortês de Rilke, cruzamos o olhar iluminado de Rolland, conhecemos a força rural de Verhaeren, entramos no escritório de Herzl e no ateliê de Rodin (dois momentos memoráveis), conversamos com Valéry, sentamo-nos brevemente com Joyce, visitamos Gorki em Itália, ouvimos falar Busoni, entramos na intimidade de Richard Strauss, assistimos ao exercício argumentativo de Bernard Shaw e H. G. Wells. A lista é infindável, mas sempre fiel à ideia de que «os grandes homens são sempre os mais afáveis».
Somos testemunhas pela palavra de Stefan Zweig. Mas a sua palavra é subjectiva, impregnada da sua visão própria e da imagem de si e dos outros que nos quis deixar. Estamos perante pedaços da História, mas Zweig não é historiador. É um escritor que nunca deixa de o ser e, mesmo no retrato dos outros, é a si próprio que retrata também. E é também isso que me atrai no universo do homem a quem, por amizade, coube fazer o elogio fúnebre de Sigmund Freud.