Dicionário Pessoal / ALARVE
O alarve pode ser um rústico, mas não é por isso que é alarve. É pela grosseria, pela bruteza, pelo excesso que se torna alarve. O que significa que a rusticidade não tem que ver com o caso, uma vez que a grosseria, a bruteza e o excesso não são exclusivo do rústico, nem o rústico é necessariamente um alarve. Pode ter-se comido alarvemente e ser-se um tipo decente. O que é diferente de comer como um alarve. O alarve gosta de pavonear o excesso, e esse é um registo particularmente alarve. O alarve arrota, literalmente, nos casos mais boçais, e, metaforicamente, nos casos de maior sofisticação. A ignorância ostensiva é alarve. A importância empinada é alarve. O alarve tem a mania. Frequentemente tem a mania das grandezas. O tipo engravatado que, ao almoço, afunda o nariz no prato exibe, além do rolex, a sua grosseria alarve; aquele outro, só compra o que for mais caro, mais recente e com mais botões. O alarve da construção civil assobia às gajas e diz coisas como «és boa com'ó milho», «comia-te toda», ou outros mimos mais elaborados. O alarve da alta sociedade é muito mais suave, delicodoce e meloso com as mulheres, mas alarvemente brejeiro com os amigos. Há mais homens alarves do que mulheres, embora a alarvidade se possa manifestar independentemente do género. O alarve é um campeão do sexo explícito no discurso. O alarve gosta de contar anedotas com frequência, sobretudo picantes e que lhe dêem oportunidade para dizer dois ou três palavrões. Se escreve, gosta de escrever os ditos palavrões, com particular incidência na conjugação, reflexa ou não, do verbo «foder». Porém, o alarve é também um mestre do eufemismo, repetindo com assiduidade expressões como «fogo», «fónix», «tintins», etc. O olhar constitui uma manifestação particularmente rica do alarve. Há também ideias alarves. Chama-se alarvejar à acção dos alarves, que é também o termo onomatopaico que se lhes aplica. O alarve gosta de cooptar os outros para a sua própria alarvidade, por exemplo quando parte do princípio que os outros gostam das mesmas coisas ou pensam da mesma maneira. O alarve gosta de mandar, razão pela qual há muitos alarves na política e no poder. O alarve gosta de fazer voz grossa, mesmo que, por vezes, ela soe aparentemente como um sopro inofensivo. O alarve pretensioso gosta de usar as pessoas: no bolso ou na lapela.