Os nadas do tudo
Totalidade e unidade existem pelo esforço unificador da inteligência a partir do múltiplo, do fragmentário e do disperso. É esse o esforço de quem observa o mundo. É o paradigma do filósofo. É o alento das religiões. É o amuleto do conhecimento e o ânimo do ensino. É esse o esforço do biógrafo. Do consulente de uma enciclopédia. De leitor de um romance. É esse, no fundo, o esforço de quem persegue o sentido, mesmo que seja o sentido da própria vida.
O poeta — o escritor, o artista — faz muitas vezes o caminho inverso: multiplica, fragmenta, dispersa. Aprofunda o particular, o ínfimo, o íntimo, os nadas do tudo.
Há um poema de Ramos Rosa que começa assim: « Nada sabemos de quase tudo A vastidão/ é inapreensível A simultaneidade/ é inapreensível A disparidade/ é inapreensível...».
É preciso ouvir o deslumbrante silêncio da solidão, penetrar o cerne dessa «densa tranquilidade» para talvez descobrirmos que «Talvez um outro espaço/mesmo na ignorância possa ser a transparência», quem sabe se também a transcendência: «Ou não somos nós que criamos o entendimento/ que une as sombras que somos ao sossegado império/ que é tudo e nada no seu mudo esplendor?»