Preâmbulo às instruções para dar corda ao relógio
Pensa nisto: quando te
oferecem um relógio, oferecem-te um pequeno inferno floreado, uma corrente de
rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, que contes muitos e
bons e esperamos que dure porque é de marca boa, suíço com âncora de rubis; não
te oferecem somente esse pedreiro laborioso que atarás ao pulso e passearás
contigo. Oferecem-te – não o sabem, o terrível é que não o sabem –, oferecem-te
um novo pedaço, frágil e precário, de ti mesmo, algo que é teu, mas que não é o
teu corpo, que tens de atar ao teu corpo com a sua correia, como um bracinho
desesperado dependurando-se no teu pulso. Oferecem-te a necessidade de dar-lhe
corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue a ser um
relógio; oferecem-te a obsessão de dar atenção à hora exacta nas montras das
joalharias, no anúncio da rádio, no serviço telefónico. Oferecem-te o medo de
perdê-lo, de que to roubem, de que caia ao chão e se parta. Oferecem-te a sua
marca, e a segurança de que é uma marca melhor do que as outras, oferecem-te a
tendência de comparar o teu relógio com os demais relógios. Não te oferecem um
relógio, és tu o oferecido, é a ti que oferecem para o aniversário do relógio.
Júlio Cortázar [1914-1984], Historias de Cronopios y de Famas, 1960.