quinta-feira, 9 de maio de 2013

Pêssegos de Alcobaça

Degustando pêssegos grandiosos, antes de violar-lhes o conteúdo admiro a esfera dourada que os designa, o cheiro específico, invenção do substrato mais íntimo da terra (chego a captar neles um fio de vinho); assim me consolo da dissonante fachada de Alcobaça. Estes pêssegos merecem entrar no santuário. Não creiam que blasfemo: o ofertório, parte integrante da missa, inclui o rito de doação dos frutos da terra. Assim se praticou nos primeiros séculos da Igreja; tal rito está sendo restaurado em algumas paróquias europeias, de acordo com o seu profundo (palavra que, depois de a cavarem tanto, chega ao extrema desgaste) significado humano.

Murilo Mendes, «Alcobaça» (excerto) em Janelas Verdes [1970], Edições Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003.