terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Da repetição

A intertemporalidade e a interespacialidade são a coisa da poesia. O poeta é o taumaturgo, o diábolos, o saltimbanco que atravessa as paredes e os séculos. Não é o fingidor, Fernando, pois só finge quando finge que está fingindo. Os outros, os críticos acadêmicos, vivem no estrito mundo tridimensional. Não conhecem as surpresas da quarta, da quinta, da milésima dimensão das coisas, dos lugares e das pessoas. Do poliedro universal. Etc. «Répétez, répétez sans cesse, le nouveau viendra au galop.» Mas pergunta Kierkegaard la répétition, est-elle possible? Sim, mein Herr, mas só para o poeta. Acho que esta é a conclusão, senão explícita, de todo o modo evidente, no Tratado da Repetição. Só há uma forma boa de gerar um ser novo no ventre de uma fêmea: repetir o ato imemorial de Adão em cima de Eva, com um movimento entre a cintura e as ancas.  O resto é inseminação artificial. A repetição gera o novo. Etc.» (Em carta antiga a J. F.)

Gerardo Mello Mourão, «Epitáfios», Invenção do Mar - Carmen Saeculare, Record, Rio de Janeiro, 1997.