quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Dicionário Pessoal / PARTICIPAÇÃO

Exigência contemporânea de dizer, comentar, seguir; exigência de comunicar. A participação, como a comunicação, de que é causa e consequência, está na ordem do dia, na ordem de serviço da ordem geral. Faz bem à saúde. De pequeninas, as crianças aprendem os seus fundamentos; as famílias reclamam-na, as empresas exigem-na, os artistas praticam-na ou servem-na, os governos administram-na... Sem ela a www (world wide web, não confundir com wicked witch of the west) abria falência já.
No seu modelo de aplicação, uma das formas mais frequentes de aferir a sua eficácia é o fidebéque, que assim entrou no linguajar moderno e sofisticado... Supostamente, sem fidebéque o emissor fica perdido, à espera de que o receptor da mensagem passe, por sua vez, ao papel de emissor, nem que seja para dizer o que acha, para comentar, para desabafar, enfim para se manifestar, ou seja, participar do mundo. A não ser que se trate de uma ordem. Aí o fidebéque é constituído pela realização da própria acção ordenada. E, numa relação de poder, quem mais pode manda e não dá cavaco, isto é, fidebéque, ou só dá quando lhe interessa.
A não existência de fidebéque significa silêncio, e o silêncio significa não comunicação, não participação. A não ser que o emissor veja a cara do receptor, o seu cenho carregado, o esgar franzido de cepticismo, uma expressão irada ou apenas irónica, ou simplesmente apática.
Mas esta comunicação fisionómica ou gestual é já uma forma agravada de ruído e de recusa à comunicação e à participação, cujas formas extremas se exprimem, paradoxalmente, por uma reacção verbal, de natureza escatológica ou invocadora de uma sexualidade aberrante, como no caso das referências a pilas, ao pipi de uma tia ou a algum tipo de classificação profissional injuriosa da senhora que deu à luz o emissor.
Este autismo participativo e comunicacional (que claramente abrange os tipos tímidos ou calados por feitio) é um indício claro de uma patologia social ou, nos casos mais graves, de inexistência social. É o caso dos que têm o instinto de se barricarem em casa, mantendo reféns alguns víveres materiais e espirituais, que lhes permitam viver em paz até que os terapeutas da sociedade os descubram e vão buscar para serem reeducados, se ainda for possível. Na maior parte dos casos, porém, já não é possível, servindo então para fins didácticos como exemplos de degradação humana e de resistência ao progresso.