quinta-feira, 7 de julho de 2011

Nelson [admirável] leitor de Eça

Há uma página de Os Maias que não consigo esquecer. Imaginem um ministro da Educação que não tinha cara, só tinha testa. Nem um mísero e escasso fio de cabelo. Tamanha testa foi o seu destino e a sua glória. Ele não precisava ciciar uma palavra, ou desdenhar um gesto, ou piscar um olho. A testa bastava e repito: a testa era a evidência mesma do gênio.
Uma noite, está o nosso ministro numa recepção. Cercado de damas e cavalheiros por todos os lados. E, súbito, alguém fala na Inglaterra. S. ex.ª achou bonito o nome, o som. Inglaterra. E vira-se, então, para o Ega, que estava a dois passos. Pergunta-lhe: – "Sabe se, na Inglaterra, há folhetinistas de pulso, como aqui? Talentos como os nossos?". Primeiro o Ega tem uma vertigem, diante da testa inaudita. Em seguida, informa: "Lá não há literatura". Diz então o ministro: "Logo vi. Povo prático, essencialmente prático".

Nelson Rodrigues, em «Os Abnegados», A Cabra Vadia. Novas Confissões, Seleção de Ruy Castro, Companhia das Letras, São Paulo, 3.ª reimpressão, 1995.