sexta-feira, 3 de junho de 2011

Questões de género

A moda (mais uma) da separação da produção editorial em ficção e não ficção sempre me deu que pensar. Ela corresponde à supremacia da narrativa ficcional, de maior ou menor dimensão, mas com propensão para a maior, sobre todos os outros géneros, metidos num mesmo grande saco, imagino que preto como os do lixo. Aqui, nem o método da separação dos lixos valeu. O que é, nesse caso, a «não ficção»? Desde logo a poesia, mas também o ensaio, a biografia, o diário, os manuais de vária espécie, os chamados livros de auto-ajuda, os dicionários, as enciclopédias (isso ainda existe?), o estudo histórico, a tese universitária, os compêndios teóricos, o livro prático (que é uma designação divertida), o álbum ilustrado, os livros de humor, as listas telefónicas, os chamados livros de espiritualidade, enfim, um dia, com mais tempo e paciência, poderei continuar a lista. Na ficção ficam, obviamente, os romances, as novelas e os livros de contos. Poderia ficar também a banda desenhada, mas essa não é normalmente contabilizada: parte dela, mas apenas uma pequena parte, poderá ficar incluída numa terceira categoria, o infanto-juvenil, expressão que me faz sempre estremecer de horror. Já nos concursos literários que as entidades e as editoras promovem nunca há lugar para géneros heterodoxos. É pena, porque, ao contrário do que a divisão entre ficção e não ficção faz supor a muito boa gente, é aí que se podem encontrar grandes escritores.