quinta-feira, 30 de junho de 2011

Memórias Intactas (4 de 7)

Entre centenas de representações dos mesmos episódios, quantas semelhanças. E quantas diferenças. Cada Anunciação é sempre a mesma e simultaneamente outra Anunciação. É talvez curioso que a linha desse retomar e refazer contínuos se vá de algum modo esfumando a partir do século xvi, com a afirmação do estilo, para só a voltarmos a encontrar plenamente na arte moderna, em grau diverso e com vária consequência, na obra de grandes obsessivos: da simultaneidade de planos dos cubistas aos jogos de perspectiva de Vieira da Silva, do purismo geométrico de Mondrian aos devaneios líricos de Chagall, aos corpos reclinados de Henry Moore, aos jarros e jarras de Morandi, às cores de Rothko, ao prosaísmo de Warhol, aos rostos de Gaëtan. Os artistas modernos, ardendo no fogo do individualismo e da originalidade, vão extremando, em programa próprio, os limites da experiência estética, mas afirmando-se num campo que eles próprios escolheram e definiram. Na pintura quatrocentista o caminho e a finalidade sobrepunham-se ao génio individual, mas este não deixava de se revelar. Por tal razão, o cardeal Olivero Carafa encarregou Filippino Lippi dos frescos da capela dedicada a S. Tomás de Aquino, em Santa Maria sopra Minerva. Não por acaso, Cosimo de Medicis encomendou a Fra Angelico a decoração mural do convento de São Marcos, em Florença. [continua]