quarta-feira, 29 de junho de 2011

Memórias Intactas (3 de 7)

Dispus-me, ainda assim, a intuir o processo orsiano, ou dorsiano como preferem franceses e italianos, adivinhando-o imperativamente selectivo e subjectivo. Uma primeira paragem para observar como Antinoo parece evitar o olhar de Adriano. Que parte daquele vigor insolente e juvenil terá escapado ao império? O que, ou quem, olha Antinoo? Correria já o Nilo nos seus olhos? Entre ambos, Ariadna imobiliza-se num sono de pedra, e não encontro fio que me guie naquele labirinto.
Avanço, e descubro de imediato a próxima estação: o reencontro com Guido di Pietro ou Fra Giovanni da Fiesole, Beato Angelico, mais frequente designado por Fra Angelico, patrono universal dos artistas. É a primeira vez que estou diante de uma obra sua desde que me persignei junto ao seu túmulo, em Santa Maria sopra Minerva, onde, sob o esplendor ogival do mesmo azulíssimo céu, jaz também Santa Catarina de Siena. 
Fascinante é a subtileza da variação na pintura de tema idêntico, visível sobretudo na pintura religiosa, obrigada a um número relativamente restrito de tópicos estabelecidos pela catequese e pela tradição. E é tanto mais interessante quanto mais «minimalista» for a variação, porque revela o artista obrigado a repetir e, no mesmo gesto, a variar. A lei primordial da música e da poesia, a disciplina do cântico. [continua]