terça-feira, 31 de maio de 2011

Memórias Intactas

As incursões biográficas ajudam a circunscrever a imaginação, a chamá-la aos factos, a contê-la em hipóteses. Porém, tudo o que não ficamos a saber, porque não podemos saber, permanece cativo de uma inquietação ainda maior. Em O Amor de Camilo Pessanha, António Osório desvenda duas personagens na delicadeza da renúncia mútua, sem evitar que a cintilação delas, reluzindo nas entrelinhas, se adense noutras agruras ou em indecifráveis ternuras da alma. Esse caminho, tão cuidadosamente percorrido, é ainda o caminho do escritor.

A voz de Camilo Pessanha a dizer os versos da Clepsidra a jeito de serem apanhados no papel, como borboletas na rede. Ditos de um jacto, há muito aprendidos, ou no transe declamatório cabia a improvisação, o arranjo do momento? Haveria hesitações, silêncios, constrangimentos? (Por onde vaguearia o olhar de Ana, como lhe variava a pulsação?) Tê-los-ia escrito alguma vez, os poemas, ou eram pura música, como de facto parecem, ainda sem relação com os sinais gráficos, com o cheiro da tinta, com a mancha no papel?