quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Memórias Intactas

Sobre Clarice Lispector: o seu universo ficcional desprende-se facilmente das circunstâncias em que cada história se ata, retomando-se em cada nova personagem, em cada nova implosão. Viagens para dentro e por dentro. Modos de conhecer. Não apenas introspecções, que é o acto de olhar-se, mas aprendizagens, que é o surpreender-se no acto de se olhar. Viagens que impõem uma ascese e uma metamorfose em direcção à vida e ao sentido dela, um crescimento, em que «a mais premente necessidade de um ser humano» é «tornar-se um ser humano». A linguagem surge num plano primordial da existência — ser pela palavra torna-se uma complicada e frágil condição. A sua obra encerra a sabedoria de quem fez todas as viagens com as suas personagens e concluiu, como a de A paixão segundo G. H. que «Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes»

(excerto de um texto publicado em Biblos-Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa, vol. 4, Editorial Verbo, Lisboa, 1999).