segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O nexo e o valor

O domínio do «contemporâneo», palavra angulosa repetida adjectivamente como valor substantivo, não me parece valer por si mesmo, sobretudo se aparecer como mera fórmula ritual do culto da novidade, do «emergente». Resume, afinal, todo um dispositivo de legitimação, e significa, no fundo, que a arte destes tempos multiplica novas ordens estéticas, exclusivas, que procuram estabelecer, elas próprias, os termos por que devem ser vistas ou avaliadas. Os artistas mais pressurosamente «contemporâneos» delimitam um espaço e colocam-se no centro dele, onde as instâncias «contemporâneas» os possam ver.
De tudo isto, retenho apenas, para uso pessoal, que o artista contemporâneo enfrenta ou afronta as possibilidades da continuação da arte, que esta precisa de indagar e prosseguir caminhos de continuar a ser arte, radicalmente radicada numa individualidade artística, qualquer que seja o suporte material que utilize, qualquer que seja mesmo o seu grau de materialidade.
Do meu ponto de vista, a individualidade artística distingue-se pela consistência estética das obras e pela personalidade artística que elas, voluntariamente ou não, revelam — cultura, memória, inteligência, densidade, gosto… Alguma coisa mais do que a mera afirmação ou a pura intenção, nexo talvez necessário, mas não valor suficiente.
(excerto)