quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Memórias Intactas

Um homem no cais da estação do metropolitano. O fato impecável sublinha-lhe o aspecto cuidado, a silhueta clara. Na carruagem, fica de pé junto à porta do lado oposto à da entrada. Duas mulheres de condição humilde, acolchoadas contra o frio, rosto rude, acomodam-se de frente para ele. A proximidade é desconfortável. Disse uma delas, para sair do desconforto:
– Nice tie...
O rosto dele abriu-se num sorriso sóbrio.
– Thank you... Do you think so?
– Yeah – respondeu ela com um aceno de cabeça, observando, um segundo depois: – You work downtown.....
– Yeeeah... – confirmou ele.
– Tired? – quis ela saber.
Ele encolheu os ombros, sem desmentir. Elas sairam pouco depois, despediram-se:
– Bye!
– ‛night... bye! – ecoou ele, caloroso. Saiu umas estações mais adiante.
Vieram-me à cabeça os versos de Álvaro de Campos que Ruben A. usa como epígrafe de Caranguejo: «O florir do encontro casual dos que hão sempre de ficar estranhos».
Prevenido contra a fria impessoalidade das grandes metrópoles, onde ninguém se conhece, saí para o vento cortante da noite nova-iorquina a pensar como, na pequena Lisboa, aquele diálogo seria tão completamente impossível.