O disco do gramofone
Deutsche Grammophonaktiengesellschaft.
C2-42531. A Truta, de Schubert.
A corrente da montanha, borbulhando, límpida como cristal, entre penedos e pinheiros, metamorfoseou-se em música. A truta, um encanto de predador, cinzenta clara com manchas vermelhas, espreitando, esperando, flutuando, disparando em frente, para baixo, para cima, desaparecendo. Magnificente sede de sangue!
O acompanhamento do piano é doce, suave, com a monotonia da corrente gorgolejante, verde-escura, profunda. A vida real deixa de ser necessária. Sentimos o conto de fadas da natureza!
Todos os dias, pela tarde, em Gmunden, na loja do relojoeiro, uma senhora fazia com que tocassem duas ou três vezes o disco C2-42531 no gramofone. Ela sentava-se num tamborete, eu ficava junto do aparelho.
Nunca dissemos nada um ao outro.
De certo momento em diante, ela adiava o concerto até eu aparecer.
Um dia, pagou para o tocarem três vezes, se bem que estivesse prestes a sair. Eu paguei para o tocarem uma quarta vez. Ela esperou à porta, ouvindo-o até ao fim.
Disco de gramofone C2-42531, Schubert, A Truta.
Um dia, deixou de aparecer.
A canção sobreviveu como se fosse um presente dela.
Veio o Outono e o chão da esplanada cobriu-se de leves folhas amarelas espalhadas.
Então, na loja do relojoeiro, guardaram o gramofone numa prateleira, uma vez que já não era rentável mantê-lo.
Peter Altenberg, Telegrams of the Soul. Selected Prose of Peter Altenberg, tradução de Peter Wortsman, Archipelago Books, Nova Iorque, 2005.