terça-feira, 6 de julho de 2010

Memórias Intactas

O meu avô materno tinha a paixão de dar a ver. Coisas, lugares, pessoas. Devo muito a essa paixão. Levou-me, por exemplo, às primeiras corridas de touros a que assisti ao vivo. Não que fosse grande aficionado, mas encantava-o levar-me a ver a festa e a elegância dos cavalos e dos toureiros. Na adolescência, muito cheia de Hemingway, continuei a gostar da tauromaquia, embora avesso à bravata marialva. O fascínio desse ritual atávico manteve-se, de longe, e firmou-se na resistência à retórica dos seus adversários políticos e outras consciências assépticas. Reconheço, sim, um certo carácter bárbaro, patente sobretudo na expressão decaída e vulgar do espectáculo, apesar de não me parecer pior do que outros barbarismos, menos codificados e mais omnipresentes. Fui sobretudo tocado pela paixão poética dos animais dados a ver no seu mistério que, de António Osório a Carlos Nejar, me desarma e comove.