sexta-feira, 18 de junho de 2010

Colação

Encontrávamo-nos reunidos numa vasta sala, um pouco austera, no centro da qual fora servido um imenso bufete frio para regar não sei que acontecimento, do qual não medi logo toda a importância.
Com uma lógica impressionante, os discursos um pouco pomposos foram-se encadeando em discursos bastante elevados, sendo o todo pontuado por vivos mas breves aplausos, e, para terminar, foi-nos feito o convite para nos alimentarmos.
Foi então que o homem em honra do qual fora organizada esta recepção, que acabava de responder com voz trémula às homenagens e elogios de que fora objecto, se atirou, sem mais aquelas, à mulher do patrão. Em menos tempo do que levaria a dizê-lo, tendo-a partido em pequenos pedaços, devorou-a toda sob os nossos olhos, não deixando, uma vez saciado, mais do que um pedaço de couro cabeludo e um saco de pele de crocodilo.
Relatando, muitos anos depois, este pequeno episódio, há muito perdido na minha memória, recordo agora que, nesse dia, deram a esse bravo homem a medalha do trabalho em recompensa de trinta anos de bons e leais serviços passados nos diferentes canais de transformação química do nosso grupo agro-alimentar.

Pierre Autin-Grenier, C'est tous les jours comme ça, Finitude, Bordéus, 2010.

OBS: Com um abraço para o João Carlos Alvim que me deu a conhecer o autor e a editora.