Semana Santa
Ouvi pela primeira vez o Miserere de Gregorio Allegri depois de ter visitado o Vaticano, mas só então, julgo, compreendi verdadeiramente a capela Sistina. Quando se visita, a todo o custo se procura captar alguma coisa que as reproduções não tenham conseguido transmitir. Evidentemente, a diferença não está nos frescos, mas no estar ali e receber todo o impacto visual e emocional, insubstituível, da pintura miguelangelesca. A verdade é que a força desse impacto é amortecida pelas circunstâncias: a multidão, o limite de tempo, o falso silêncio, a sofreguidão dos sentidos. Com Allegri revisito o lugar, restituído à sua solenidade. A matéria invisível da voz enche tudo, e essa superfície vibrátil torna-se a terceira dimensão da obra pintada, dos Botticelli, Ghirlandaio, Pinturrichio, Perugino. Toda a capela resplandece e respira o canto ciosamente guardado para a liturgia da Semana Santa. Entre luzes e sombras estariam o Papa e os cardeais prostrados, os cantores severamente escolhidos pela excepção dos dotes. Tudo ali, na grave ocasião, concorria para o efeito de impressionar. Mas quem? Não apenas a audiência, restrita e decerto habituada, mas o Deus a quem por música se pedia misericórdia.