sábado, 27 de março de 2010

Exegese

Você quer se esconder, então se mostre.
Diga tudo o que sabe sobre a vida.
Conte a sua experiência nos negócios,
proclame seu valor de parasita
e deixe que discutam nas casernas
o seu bendito fruto entre as melhores
famílias desta terra.

Depois esconda tudo num poema
e fique descansado: ninguém lê.
Se ler, começam logo a ver navios
e achar que tudo é poetagem, símbolos,
desejos reprimidos,
nnnnnnnnnnnnnnnpsicanálises,
o diabo a quatro.

O poema não é uma caverna
sigilosa, com sombras tautológicas
nas paredes.

nnnnnnnnnnO poema é simplesmente
a sombra sem caverna, o vulto espesso
de si mesmo, a parábola mais reta
de quem escreve torto,
nnnnnnnnnnnnnnnnncomo um deus
canhoto de nascença.

Gilberto Mendonça Teles em Plural de Nuvens (1984), incluído em Hora Aberta (Poemas Reunidos), Vozes, Petrópolis, 4.ª ed. 2003.