quinta-feira, 4 de março de 2010

As coisas justamente

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nos vivem. as vivemos. são banais
enquanto o fogo as não devora, leves.
justamente não cedem. nos suplicam
a orelha recortada, o maço de tabaco
na cadeira. andam na luz buscando
as marcas no papel.
são eternas, duráveis, instantâneas.
brilham de noite. ardidas nos levantam
da planície onde aguardam, onde se inclinam
ao dedo interior, à mão
eréctil da manhã,
ao verniz prematuro da penumbra.

nos convidam e traem. dos olhos nos retiram
o olhar que nos cederam.
violentas e precisas dilaceram
o céu que por palavras as fez boca.
intensamente falam
até poder surgir. então se calam.
justamente não cedem: perscrutam
a sombra do silêncio. e vigiam
do imóvel pêlo os deuses que suplicam
detrás das coisas justamente, mortos.

Excerto do poema «As coisas justamente» de António Franco Alexandre, em Sem Palavras Nem Coisas, Iniciativas Editoriais, Lisboa, 1974.