quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Perdido reduto

17.

No clandestino recanto
em que sentado labuto
os pespontos do meu canto,

neste perdido reduto
em que as mãos amadurecem
a peça que fugirá
das mãos dos que não merecem
para andar ao deus-dará
num universo de espanto

em que o amor vai curtido,
calado, surdo, tingido
de uma cor que é o sentido
da salvação que acalanto

- aqui me caio e levanto.

Pedro Tamen, O livro do sapateiro, Dom Quixote, Lisboa, 2010.

NOTA: este ciclo de quarenta e nove poemas de Pedro Tamen mostra, uma vez mais, que, em poesia, o uso preciso das palavras está definitivamente ligado à percepção da vida, formando este conjunto aquilo a que chamamos sabedoria. Não basta escrever para ser escritor.
O estilo, aliás alastrante, «sapataria-oliveira-calça-lisboa-inteira» patente na capa deste livro mostra, por sua vez, uma inquietante indigência. E cara, ao que dizem.