Perdido reduto
17.
No clandestino recanto
em que sentado labuto
os pespontos do meu canto,
neste perdido reduto
em que as mãos amadurecem
a peça que fugirá
das mãos dos que não merecem
para andar ao deus-dará
num universo de espanto
em que o amor vai curtido,
calado, surdo, tingido
de uma cor que é o sentido
da salvação que acalanto
- aqui me caio e levanto.
Pedro Tamen, O livro do sapateiro, Dom Quixote, Lisboa, 2010.
NOTA: este ciclo de quarenta e nove poemas de Pedro Tamen mostra, uma vez mais, que, em poesia, o uso preciso das palavras está definitivamente ligado à percepção da vida, formando este conjunto aquilo a que chamamos sabedoria. Não basta escrever para ser escritor.
O estilo, aliás alastrante, «sapataria-oliveira-calça-lisboa-inteira» patente na capa deste livro mostra, por sua vez, uma inquietante indigência. E cara, ao que dizem.