Memórias Intactas
para Juan e Belém, visitantes deste blogue
Entrei na livraria com o único propósito de fazer tempo.
Um livro despertou-me a atenção, um álbum sobre Alfonso Sánchez García: Alfonso, o fotógrafo. Na capa, don Ramón María metido na sua personagem. Nas suas páginas, rostos de uma Espanha que me fala.
Toureiros: Juan Belmonte, Manuel Granero – ainda no espanto de ter morrido –, Domingo Ortega. Um enquadramento extraordinário: Joselito espera, sentado, a três passos do touro, que este sucumba; o touro, de pé, espera, paciente, que a vida se lhe esgote; os peões esperam, agrupados à distância, imóveis e atentos; o público, de pé, espera, suspenso do triunfo da morte, o triunfo do toureiro.
«Homenaje a don Nadie», em 1922, greguería ao vivo de Ramón Gómez de la Serna, com Madariaga, Bergamín, Ramón María del Valle-Inclán e outros em volta de um cadeirão vazio. Gómez de la Serna no seu habitat do café del Pombo. Os Machados, desde o início dos anos 20; Antonio, em 1933, à mesa do café de las Salesas, chapéu e bengala, no seu entranhado desalinho de poeta. Unamuno em 1935, com o garbo de quem «A un pueblo de arrieros,/ lechuzos y tahúres y logreros/ dicta lecciones de Caballería», segundo os versos do próprio Machado.
Marañon, Ortega, López de Ayala. Mas também García Lorca e Albertí: a geração de 27 entrando em cena. José António em uniforme hussardo. O corpo dilacerado de Calvo Sotelo desatando a Guerra Civil. Pío Baroja, Buero Vallejo, o compositor Cristóbal Halfter, Cela. As mãos encanecidas de Azorín, mãos de artesão da prosa «sóbria, desferida em pequenas guinadas», encastoada de «recortes de bons autores, pinceladas de paisagens, velhos trastes, pequeninos nadas esmaecidos pelo tempo», como tão bem disse João Maia.
Afinal, em vez de fazer tempo, encontrei um tempo desfeito.