quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Duas historietas

Um dia, na avenida que dá para a Porta al Prato, encontrei um escritor amigo que há pouco tempo tinha publicado um romance. Depois de me ter feito falar sobre assuntos que não importavam nem a ele nem a mim, perguntou-me à queima-roupa:
– Leste o meu romance? Que te parece?
– Li-o – respondi, muito sério – e o conselho de alguém que te quer bem seria este: metade do livro deveria ser cortada e outra metade deveria ser refeita por inteiro.
O amigo não respondeu nada mas carregou o sobrolho e saudou-me à pressa. Desde aquela tarde, e nunca compreendi porquê, esgueirava-se sempre que me avistava de longe ou, então, se não podia mesmo deixar de me encontrar, era frio para comigo, mais ainda do que a sua prosa. Outra vez, anos depois, fui detido, na praça da Signoria por um jovem poeta selvagem que me tinha enviado tempos antes um seu livrito de versos, nos quais me pareceu reconhecer a influência e a reminiscência da minha Primeira Obra.
O jovem, mal me deteve, perguntou-me em tom entre ufano e apreensivo:
– Leu as minhas poesias?
– Sim – respondi sem pestanejar – li-as todas e notei logo que também leu as minhas.
E, desde aquela tarde, também o poeta me mostrou sempre maus modos, como tinha feito o romancista.
Estas duas historietas demonstram que com os amigos escritores é necessário ou sermos mentirosos ou resignarmo-nos a transformá-los em nossos inimigos.

Giovanni Papini, La Spia del mondo, Florença, 1955.
Tradução portuguesa de José Terra: Vigia do Mundo, Livros do Brasil, Lisboa, 1955.