quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Carta a Manuel Bandeira

Pasárgada, Fevereiro de 2010

Querido Poeta,
escrevo-lhe, desolado, a pedir que não venha. Por favor, meu poeta, escute-me. Tudo está mudado, como lhe hei-de explicar?
Todo o sonho está tocado, como fruta demasiado madura . Em Pasárgada, hoje, todos são amigos do rei, todos comem à sua mesa, e a algazarra que fazem é tanta que ecoa na alma, não se lhe pode escapar. Digo-lho em voz baixa, poeta, para que consiga ouvir.
Ora veja. Pau de sebo já não há, só mesmo televisão. Gelamos de medo do beijo negro das marés. O rio das histórias emurcheceu. Todas as aventuras estão programadas. O que a civilização antes dava, agora tira. Está disponível, nas drogarias, um processo seguro de impedir a existência. Claro, terá a mulher que quiser, é possível; mas não certo. E, meu velho poeta, as prostitutas já não querem namorar, procuram apenas sobreviver, ou viver sobre a sua própria vida.
Não venha, não mais, que ninguém dará pela infinita e amarga tristeza que de noite lhe sobrevier. Mas se Outra Pasárgada houver, intocada, mande recado, suplico-lhe, e eu vou-me embora pra lá.

Com admiração e estima