quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Imóvel como uma fotografia

A merenda fechou com uma garrafa de vinho de Torlano. Oh! o vinho de Torlano! Amarelo e iluminado de uma luz própria e vivo como a água de Torlano, caída agora mesmo da montanha. E o velho ficou encantado a recordar-se de coisas da juventude e do vinho velho (tinha três anos, daqueles longos anos de montanha) e da própria frescura da sua juventude tornada genial pelo grande pintor triestino, tão prematuramente desaparecido, que, olhando a ponte de Torlano, sabia como Manet a teria pintado. Mas, em Torlano, onde a montanha se inclina, a ponte não pôde permanecer sozinha e agigantar-se. Tudo desaparecera. Era impossível que Torlano existisse ainda, quando o pintor que a beijara morrera, e ele próprio estivesse ali, muito semelhante ao que fora, mas não mais do que uma fotografia se assemelha a uma coisa viva. E agora, que olhava para trás, estava imóvel como uma fotografia. Parece que recordar não é uma verdadeira acção. Apenas se sofre a recordação na imobilidade. Quem recorda e quem é recordado imobilizam-se.

Italo Svevo, Corto viaggio sentimentale

NOTA: Eis um autor e uma obra a recuperar por alguma das boas colecções que subsistem na edição portuguesa.