segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Junto ao East River

Nesta encruzilhada,
flagelada pelos ventos de dois rios
que despenteiam a rua e a avenida,
pisado o seu negrume por gaivotas de luz,
descem as palavras até à minha mão,
bicam os grãos de orvalho,
buscam entre os meus dedos migalhas de lágrimas.

Sempre aspirei a que as minhas palavras,
aquelas que levo ao papel,
continuassem a chorar
— de pena, de felicidade, de desesperança,
no fim é tudo o mesmo —,
porque eu as havia chorado antes;
antes que desembocassem no papel branquíssimo,
no papel desabitado que é morrer.
Deixariam nele os ecos ensurdecidos, obscurecidos,
do que teve vida.
Alguém repararia na humidade das lágrimas,
choraria por seres que nunca conhecera,
que acaso não é possível que tivessem existido
ainda que estivessem estado vivos
na recordação ou na imaginação.
Choraríamos todos pelos desconhecidos,
os — para mim — esfumados
na magia do tempo.

Contra as estruturas
de metal e de vidro nocturno
ricocheteiam as palavras ainda sem forma,
consagradas no torvelinho gelado,
e não me fazem chorar.
Já não sei chorar. E olha como chorei!

II
Já não choro,
excepto por aquilo que um dia
me fez chorar:
os aviões que proclamavam
que tudo tinha terminado;
a estação amarela diluída na noite
em que coincidiam, apenas por uns instantes,
o comboio que partia para o norte
e o que partia para oeste
e jamais voltariam a encontrar-se;
e a voz de Juan Rulfo: «diz-lhes que não me matem»;
e a malaguenha canária;
e a menina mendiga de Lisboa
que me pediu um beijinho.

Já não choro.
Nem sequer quando recordo
o que ainda me falta chorar.

José Hierro, «A Orillas del East River», em Cuaderno de Nueva York (1998), poesía Hiperión, 8.ª ed., Madrid, 1999.