segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Trieste e una donna

xxxxxxxxxxxxPara a Teresa, em Trieste.

Tre Vie

C’è a Trieste una via dove mi specchio
nei lunghi giorni di chiusa tristezza:
si chiama Via del Lazzaretto Vecchio.
Tra case come ospizi antiche uguali,
ha una nota, una sola, d'allegrezza:
il mare in fondo alle sue laterali.
Odorata di droghe e di catrame
dai magazzini desolati a fronte,
fa commercio di reti, di cordame
per le navi: un negozio ha per insegna
una bandiera; nell'interno, volte
contro il passante, che raro le degna
d'uno sguardo, coi volti esangui e proni
sui colori di tutte le nazioni,
le lavoranti scontano la pena
della vita: innocenti prigioniere
cuciono tetre le allegre bandiere.

A Trieste ove son tristezze molte,
e bellezze di cielo e di contrada,
c’è un erta che si chiama Via del Monte.
Incomincia con una sinagoga,
e termina ad un chiostro; a mezza strada
ha una cappella; indi la nera foga
della vita scoprire puoi da un prato,
e il mare con le navi e il promontorio,
e la folla e le tende del mercato.
Pure, a fianco dell'erta, è un camposanto
abbandonato, ove nessun mortorio

entra, non si sotterra più, per quanto
io mi ricordi: il vecchio cimitero
degli ebrei, così caro al mio pensiero,
se vi penso i miei vecchi, dopo tanto
penare e mercatare, là sepolti,
simili tutti d'animo e di volti.

Via del Monte è la via dei santi affetti,
ma la via della gioia e dell'amore
è sempre Via Domenico Rossetti.
Questa verde contrada suburbana
che perde dì per dì del suo colore,
che è sempre più città, meno campagna,
serba il fascino ancora dei suoi belli
anni, delle sue prime ville sperse,
dei suoi radi filari d'alberelli.
Chi la passeggia in queste ultime sere
d'estate, quando tutte sono aperte
le finestre, e ciascuna è un belvedere,
dove agucchiando
o leggendo si aspetta,
pensa che forse qui la sua diletta
rifiorirebbe all'antico piacere
di vivere, di amare lui, lui solo
;
e a più rosea salute il suo figliolo.
Umberto Saba, Trieste e una donna, 1912
 
Três Ruas
Há em Trieste uma rua em que me espelho
nos longos dias de ensimesmada tristeza:
chama-se Rua do Lazareto Velho.
Entre casas como hospícios antigas e iguais,
tem uma nota, uma só, de leveza:
o mar ao fundo das suas ruas laterais.
Perfumada de alcatrão e de especiarias
dos armazéns desolados defronte,
faz comércio de redes, de cordoarias,
para navios: numa loja numa tabuleta espreita
uma bandeira; no interior, voltadas
para o passante, que raro lhes deita
um olhar, de inclinadas e pálidas feições
sobre as cores de todas as nações,
as que trabalham expiam as penas
da vida: inocentes prisioneiras
cosem sem alegria as alegres bandeiras.
Em Trieste onde a tristeza tanto conta,
e há beleza no céu e na urbana desmesura,
há uma ladeira que se chama rua do Monte.
Começa numa sinagoga,
e termina num claustro; a certa altura,
tem uma capela; e perto a negra voga
da vida se pode descobrir de um prado,
e o mar com os navios e o promontório,
e a multidão e as tendas do mercado.
Depois, ao lado da ladeira, há um campo-santo
abandonado, onde nenhum mortuório
entra, não se sepulta mais, tanto quanto
me lembro: o velho cemitério
dos judeus, por que sinto um fervor sério,
e penso que lá estão meus antepassados, depois de tanto
penar e negociar, sepultados,
todos no rosto e na alma irmanados.
Rua do Monte é a rua dos santos afectos,
mas a rua da alegria e do amor
é sempre a Rua Domenico Rossetti.
Este verde bairro suburbano,
que perde dia a dia a sua cor,
que é cada mais cidade e menos campo,
conserva ainda o fascínio dos seus augustos
anos, do seus primeiros chalés dispersos,
das suas raras filas de arbustos.
Quem nas noites de fim de verão por ela erre,
quando estão abertas todas
as janelas, e cada uma é um belveder
onde cosendo ou lendo se quer ver a hora passada,
pensa que talvez aqui a sua amada
refloriria ao antigo prazer
de viver, de amá-lo, só a ele, com carinho:
e com mais róseo parecer o seu filhinho.
(trad. Umberto Saba, Poesia, José Manuel Vasconcelos, Assírio e Alvim, 2010)