terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Fármaco

Fausto é mais convincente, a partir da consciência moderna, quando se erige em discípulo de Bacon e, especialmente, quando confia na técnica como o principal fármaco do homem para afastar o pesadelo do isolamento cósmico. Porque, de facto, este fármaco só adquire pleno poder no momento em que o Deus espectral que nos ronda, e através da grande engrenagem de Newton, não só é tido como indemonstrável, mas é também declarado indesejável. A técnica é o sonho de autodeterminação do homem que coincide com a maior consciência de solidão.
Sob os impulsos deste sonho, a natureza chamada inanimada constitui um mero campo de experimentação. O máximo esplendor da utopia científico-técnica coincide com esta ideia, se bem que a moderna concepção matemático-experimental da natureza implique uma dupla repercussão sobre a imagem do homem. Por um lado, ao apresentar-se o cosmos como uma engrenagem perfeita, o conhecimento consiste em descobrir progressivamente as leis universais desta engrenagem. Por outro lado, ao ser esperançosamente factível a possibilidade deste descobrimento, o conhecimento deve facilitar, mediante a técnica, o domínio do cosmos. Conhecer é avançar até às leis ainda não reveladas, enquanto dominar é utilizar as leis já conhecidas. A «idade do progresso» converte o cientista em profeta e o engenheiro em messias.

Rafael Argullol, «La soledad después de Shakespeare», em Maldita perfección. Escritos sobre el sacrifício y la celebración de la beleza, Alantilado, Barcelona, 2013.