segunda-feira, 23 de setembro de 2013

António Ramos Rosa | 1924-2013

De escadas insubmissas
de fechaduras alerta
de chaves submersas
e roucos subterrâneos
onde a esperança enlouqueceu
de notas dissonantes
de um grito de loucura
de toda a matéria escura
sufocada e contraída
nasce o grito claro

Viagem através de uma nebulosa (1958)

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Cavalo, cavalo da terra, saltas sobre
toda a pobreza chã ou obstáculo.
O vigor da palavra é evidência acesa
é saber-te do chão até à crina.
Quem te arranca a força de raiz
em que vale te cavam ou te calam,
de perfil ou de fronte és cavalo sempre,
cavalo de sempre.

O teu nome é uma parede que nos fala
sobre o teu silêncio. E é um nome
que não se excede e horizontal se lê,
a prumo.

 
Ciclo do cavalo (1975)
 
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Nada sabemos de quase tudo  A vastidão
é inapreensível A simultaneidade
é inapreensível A disparidade
é inapreensível E há um mutismo
no mundo e em nós que não se quebra nunca
Na página há um silêncio inexpugnável
Talvez algo queira correr e dissipar-se
na correnteza da água Talvez um outro espaço
mesmo na ignorância possa ser a transparência
Mas longe é tudo e vagaroso e recolhido
Não progredimos na grande solidão que envolve tudo
Ouvi-la? É quase deslumbrante e de uma
densa tranquilidade que em nós demora
como se em nós houvesse correspondência
Ou não somos nós que criamos o entendimento
que une as sombras que somos ao sossegado império
que é tudo e nada no seu mudo esplendor?
Somos nós e é o mundo que cria a substância
de estar em que nada se abre e todavia se abre
nas corolas de sono e no timbre da luz

O Livro da Ignorância (1988)