terça-feira, 19 de julho de 2011

Patos e Cisnes

Bulhão Pato conta num dos seus escritos memorialísticos que Garrett, amigo estimado, antes de contar uma história picante, dizia em jeito de introdução «Vamos arrepiar a pena ao Patinho». Por outro lado, o gravíssimo Herculano, em cuja casa da Ajuda Bulhão Pato viveu, dirige-se-lhe por carta, tratando-o, divertida e carinhosamente, por «Homem-Pato».
Bulhão Pato tinha, e expressa-o constantemente nas memórias, uma notável admiração literária e intelectual pelos seus amigos, reconhecendo-lhes um estatuto que ele sabia não ter. Mas esse reconhecimento não o diminuía; pelo contrário, elevava-o. Como aliás, não o diminuíam as brincadeiras com o seu nome: ficamos até com a impressão de que isso era um sinal de pertença.
Como poeta, o brilho de Bulhão Pato não foi fulgurante, e a insinuação de que o Alencar, de Os Maias, era a sua caricatura fez com que a referência à sua figura fosse quase sempre precedida de um sorriso de desdém. Ainda assim, antigamente, as selectas literárias incluiam um outro poema de Bulhão Pato. E porque não, embora o seu legado mais importante esteja nos retratos de época e de figuras que são as suas memórias?
Em 2012 passará o centenário da morte de Bulhão Pato e passará tão silenciosamente como outros, até mais relevantes. Mas o que é mais encanitante é vermos que os Patos de hoje passam por ser cisnes, com uma altivez que é sobretudo feita de auto-admiração, e por isso sem nenhuma da capacidade de Pato de aceitar a ironia sobre si próprio.