sexta-feira, 20 de maio de 2011

Le sentiment que tout va mal

Durante muito tempo chamou-se, paradoxalmente, esclarecidos aos espíritos afeitos às ilusões, aqueles que, obnubilados pelo entusiasmo, acreditavam no homem, na sua capacidade de triunfar sobre o mal, dentro e fora de si. A civilização moderna – tocamos aqui na raiz do seu sucesso e do seu fracasso – foi criada pelos detractores do Pecado original, pelos discípulos de Rousseau, por todos aqueles que recusaram admitir que o homem está viciado na sua essência e que é amaldiçoado desde sempre, quaisquer que sejam as condições exteriores, sociais ou outras, em que vive. O autor do Génesis e o do Apocalipse perceberam melhor que os apóstolos modernos da ciência a miséria sem remédio da nossa sorte, e mostraram-nos que conhecer é ceder a uma tentação perigosa, que não é impunemente que nos apaixonamos pelo saber, e que a árvore da ciência é o antípoda da árvore da vida. A curiosidade do nosso primeiro antepassado foi-nos fatal. O homem começou por uma transgressão, por uma escolha perigosa, pois fora claramente prevenido, por Deus, do risco que corria.


Excerto de um inédito (1982) de Cioran publicado no Magazine Littéraire dedicado ao centenário do nascimento do autor, Maio de 2011.