quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Memórias Intactas

O impacto físico da música sobre Stephen Kovacevich quando, exausto, se levantou para agradecer os aplausos, impressionou-me muito. Acabara de tocar a Sonata em dó menor n.º 32, op. 111, a última sonata para piano de Beethoven. O pianista (ou seria o compositor?) tinha atravessado a espessura da alma para chegar à violência da solidão extrema, ao esquecimento de si, às altas regiões de um silêncio molto semplice e cantabile. Tenho perseguido, desde então, outras vidas da mesma sonata — Richter, Brendel, Askhenazy, Badura-Skoda, Pollini, Michelangeli, Serkin, Gould, Pletnev, outros — e tantas são extraordinárias. Mas talvez tenha sido Kovacevich quem me levou mais longe, ao encontro de alguma coisa que está na música e é mais do que ela, sem nunca deixar de ser música.