quarta-feira, 21 de julho de 2010

Good Old Ste/ primeira parte

Frequentei, em anos decisivos da juventude, gente muito mais velha do que eu. Sem nunca ter abandonado o convívio da minha geração, transitava entre mundos relativamente contíguos, mas bastante diferenciados. O que fazia com uns, não podia fazer com os outros. Acompanhando os mais velhos – aos quinze ou dezasseis anos os meus companheiros de tertúlia de café e de conversa tinham regressado ou estavam de partida para a guerra —, tinha ainda acesso às gerações precedentes à deles, deslizando assim por múltiplos universos e linguagens. Colocava-me, de certo modo, na atitude do discípulo voluntário, um pouco à maneira de Hans Castorp. Foi por essa altura que li pela primeira vez A Montanha Mágica, talvez antes do tempo. Primeiras leituras, com as quais fui aprendendo a respirar. Outras viriam no tempo certo: só há poucos anos li a autobiografia de Stefan Zweig e não consigo deixar de pensar que em nenhum outro momento a poderia ter apreciado tanto.
Zweig, um dos autores mais lidos na Europa nas primeiras décadas do século vinte, habitava a maior parte das casas portuguesas onde existiam livros. Li-o nesse tempo de longínqua disponibilidade para tudo, quando em longos passeios rituais me iniciei no exercício da conversa e da admiração. A conversa acrescentava à leitura — ambas se implicando, uma levando à outra — a dimensão excitante da partilha e da veneração pelos autores, que admirávamos pelos livros e pelo que da sua aura nos chegava. Em Zweig observávamos sobretudo a arte da descrição e da velocidade, ambas convergindo no desenho das personagens, centrado numa fosforescente psicologia. Depois dessa época de desordenada voracidade literária, fui sabendo, com os anos e outras leituras, alguns factos da sua biografia, nomeadamente os relacionados com as circunstâncias da sua morte no Brasil, mas nada que me tivesse levado de volta aos textos.
O desejo de reencontro nasceu também de uma conversa e por ela se orientou para a autobiografia e outros escritos na primeira pessoa. Mergulhei em O Mundo de Ontem (em versão francesa, uma vez que o alemão me é menos acessível e a tradução portuguesa desapareceu há muito sem deixar rasto [1]) e estas notas surgem por imposição dessa experiência.

[1] Uma nova tradução portuguesa apareceu poucos meses depois de este texto ter sido escrito (Assírio & Alvim, Lisboa, 2005).