terça-feira, 27 de abril de 2010

Arte Poética

Se um pintor à cabeça humana unisse
pescoço de cavalo, e diversas
penas vestisse o corpo organizado
de membros de animais de toda a espécie,
de sorte que mulher de belo aspecto
em torpe e negro peixe rematasse,
vós, chamados a ver esta pintura,
o riso sofreríeis? Pois convosco
assentai, ó Pisões, que a um quadro destes
será mui semelhante aquele livro,
no qual ideias vãs se representem
(quais os sonhos do enfermo), de tal modo
que nem pés nem cabeça a uma só forma
convenha. De fingir, ampla licença
ao poeta e pintor sempre foi dada:
assim é; e entre nós tal liberdade
pedimos mutuamente, e concedemos;
mas não há-de ser tanta, que se ajunte
agreste com suave, e queira unir-se
ave a serpente, cordeirinho a tigre.

Fragmento da «Arte Poética», de Horácio (trad. de Cândido Lusitano)