tag:blogger.com,1999:blog-22912650727962476252024-03-08T18:56:40.290+00:00Retentivatextos e anotaçõesJChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comBlogger771125tag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-46191769610065439202014-03-06T01:07:00.004+00:002014-03-06T01:07:50.085+00:00Retentiva duas vezes<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A Retentiva que, num ritmo muito seu e com as características que se lhe conhecem desde o seu início em Dezembro de 2009, passou agora a ter uma versão, ou extensão, </span><a href="http://retentiva.wordpress.com/" target="_blank"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">aqui</span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-79099974107444262282014-02-02T18:43:00.000+00:002014-02-04T11:00:02.824+00:00Preâmbulo às instruções para dar corda ao relógio<span style="mso-ansi-language: PT;"><span style="font-family: Helvetica;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Pensa nisto: quando te
oferecem um relógio, oferecem-te um pequeno inferno floreado, uma corrente de
rosas, um calabouço de ar. Não te dão somente o relógio, que contes muitos e
bons e esperamos que dure porque é de marca boa, suíço com âncora de rubis; não
te oferecem somente esse pedreiro laborioso que atarás ao pulso e passearás
contigo. Oferecem-te – não o sabem, o terrível é que não o sabem –, oferecem-te
um novo pedaço, frágil e precário, de ti mesmo, algo que é teu, mas que não é o
teu corpo, que tens de atar ao teu corpo com a sua correia, como um bracinho
desesperado dependurando-se no teu pulso. Oferecem-te a necessidade de dar-lhe
corda todos os dias, a obrigação de dar-lhe corda para que continue a ser um
relógio; oferecem-te a obsessão de dar atenção à hora exacta nas montras das
joalharias, no anúncio da rádio, no serviço telefónico. Oferecem-te o medo de
perdê-lo, de que to roubem, de que caia ao chão e se parta. Oferecem-te a sua
marca, e a segurança de que é uma marca melhor do que as outras, oferecem-te a
tendência de comparar o teu relógio com os demais relógios. Não te oferecem um
relógio, és tu o oferecido, é a ti que oferecem para o aniversário do relógio</span>.<o:p></o:p></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Júlio Cortázar [1914-1984], <em>Historias de Cronopios y de Famas,</em> 1960.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-46086924486987094762014-01-15T13:18:00.001+00:002014-01-15T13:18:56.736+00:00Seleccionar! Seleccionar!<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A preocupação da verdade, do retrato parecido, é a doença da nossa literatura. A preocupação da verdade é inimiga da verdade. A verdade não gosta que a espreitem. O excesso de pormenores embrulha a concepção, a intenção. Já que não podemos simplificar a vida, simplifiquemos a literatura. A literatura, como a vida, está atravancada. Há que descongestioná-la: um só quadro numa parede, dois ou três móveis em cada sala. Simplifiquemos! Simplifiquemos! A falta de espaço é cada vez maior. Há que fazer peças com poucas personagens, romances com poucas páginas, telas com poucas tintas. Seleccionar! Seleccionar! Escrever muito é fácil. Escrever pouco é heróico, muitas vezes. Poucos escritores têm essa coragem.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">António Ferro, <em>Leviana,</em> 1921</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-12591258486790440502014-01-05T15:19:00.000+00:002014-01-05T15:19:35.801+00:00Eusébio<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Uma coisa me consola, Eusébio. É que não fui eu quem cobriu Você de adjectivos, de apodos, de cognomes mais ou menos imaginosos. Não fui eu quem disse que Você era a pantera, o príncipe, o bota de oiro, o relâmpago negro, o coice para a frente, o astropata. Também não fui eu quem disse que o seu nome era Eusébio. Dar o Eu a Eusébio, que pretensão! Derive, derive e vire, vire e atire sem parança, Eusébio, seu genial tragalhadanças!</span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana;">Alexandre O'Neill</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-70954122732634927342013-12-23T17:53:00.001+00:002013-12-23T17:53:54.296+00:00Trieste e una donna<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><em><span style="color: white;">xxxxxxxxxxxx</span>Para a Teresa, em Trieste.</em></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Tre Vie</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">C’è a Trieste una
via dove mi specchio <br />
nei lunghi giorni di chiusa tristezza:<br />
si chiama Via del Lazzaretto Vecchio. <br />
Tra case come ospizi antiche uguali, <br />
ha una nota, una sola, d'allegrezza:<br />
il mare in fondo alle sue laterali. <br />
Odorata di droghe e di catrame <br />
dai magazzini desolati a fronte, <br />
fa commercio di reti, di cordame <br />
per le navi: un negozio ha per insegna <br />
una bandiera; nell'interno, volte <br />
contro il passante, che raro le degna <br />
d'uno sguardo, coi volti esangui e proni <br />
sui colori di tutte le nazioni, <br />
le lavoranti scontano la pena <br />
della vita: innocenti prigioniere <br />
cuciono tetre le allegre bandiere.<o:p></o:p></span></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A Trieste ove son
tristezze molte, <br />
e bellezze di cielo e di contrada, <br />
c’è un erta che si chiama Via del Monte. <br />
Incomincia con una sinagoga, <br />
e termina ad un chiostro; a mezza strada <br />
ha una cappella; indi la nera foga <br />
della vita scoprire puoi da un prato, <br />
e il mare con le navi e il promontorio, <br />
e la folla e le tende del mercato. <br />
Pure, a fianco dell'erta, è un camposanto <br />
abbandonato, ove nessun mortorio</span><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref8"></a><a href="http://www.larapedia.com/letteratura-saba/Umberto_Saba_poesie_e_riassunti_brevi.html#_ftn8" title=""><span style="color: blue;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="mso-bookmark: _ftnref8;"> </span><span style="mso-bookmark: _ftnref8;"></span></span></span></a><span style="mso-bookmark: _ftnref8;"></span><br /><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
entra, non si sotterra più, per quanto <br />
io mi ricordi: il vecchio cimitero <br />
degli ebrei, così caro al mio pensiero, <br />
se vi penso i miei vecchi, dopo tanto <br />
penare e mercatare, là sepolti, <br />
simili tutti d'animo e di volti.<o:p></o:p></span></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Via del Monte è
la via dei santi affetti, <br />
ma la via della gioia e dell'amore <br />
è sempre Via Domenico Rossetti. <br />
Questa verde contrada suburbana <br />
che perde dì per dì del suo colore, <br />
che è sempre più città, meno campagna, <br />
serba il fascino ancora dei suoi belli <br />
anni, delle sue prime ville sperse, <br />
dei suoi radi filari d'alberelli.<br />
Chi la passeggia in queste ultime sere <br />
d'estate, quando tutte sono aperte <br />
le finestre, e ciascuna è un belvedere, <br />
dove agucchiando</span><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref10"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">o leggendo si aspetta, <br />
pensa che forse qui la sua diletta <br />
rifiorirebbe all'antico piacere <br />
di vivere, di amare lui, lui solo</span><a href="https://www.blogger.com/null" name="_ftnref11"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span></a><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">; <br />
e a più rosea salute il suo figliolo.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana;">Umberto Saba, <em>Trieste e una donna,</em> 1912</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span> </div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Três Ruas</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Há em Trieste uma rua em que me espelho<br />nos longos dias de ensimesmada tristeza:<br />chama-se Rua do Lazareto Velho.<br />Entre casas como hospícios antigas e iguais,<br />tem uma nota, uma só, de leveza:<br />o mar ao fundo das suas ruas laterais.<br />Perfumada de alcatrão e de especiarias<br />dos armazéns desolados defronte,<br />faz comércio de redes, de cordoarias,<br />para navios: numa loja numa tabuleta espreita<br />uma bandeira; no interior, voltadas<br />para o passante, que raro lhes deita<br />um olhar, de inclinadas e pálidas feições<br />sobre as cores de todas as nações,<br />as que trabalham expiam as penas<br />da vida: inocentes prisioneiras<br />cosem sem alegria as alegres bandeiras.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Em Trieste onde a tristeza tanto conta,<br />e há beleza no céu e na urbana desmesura,<br />há uma ladeira que se chama rua do Monte.<br />Começa numa sinagoga,<br />e termina num claustro; a certa altura,<br />tem uma capela; e perto a negra voga<br />da vida se pode descobrir de um prado,<br />e o mar com os navios e o promontório,<br />e a multidão e as tendas do mercado.<br />Depois, ao lado da ladeira, há um campo-santo<br />abandonado, onde nenhum mortuório<br />entra, não se sepulta mais, tanto quanto<br />me lembro: o velho cemitério<br />dos judeus, por que sinto um fervor sério,<br />e penso que lá estão meus antepassados, depois de tanto<br />penar e negociar, sepultados,<br />todos no rosto e na alma irmanados.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Rua do Monte é a rua dos santos afectos,<br />mas a rua da alegria e do amor<br />é sempre a Rua Domenico Rossetti.<br />Este verde bairro suburbano,<br />que perde dia a dia a sua cor,<br />que é cada mais cidade e menos campo,<br />conserva ainda o fascínio dos seus augustos<br />anos, do seus primeiros chalés dispersos,<br />das suas raras filas de arbustos.<br />Quem nas noites de fim de verão por ela erre,<br />quando estão abertas todas<br />as janelas, e cada uma é um belveder<br />onde cosendo ou lendo se quer ver a hora passada,<br />pensa que talvez aqui a sua amada<br />refloriria ao antigo prazer<br />de viver, de amá-lo, só a ele, com carinho:<br />e com mais róseo parecer o seu filhinho.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span lang="IT" style="mso-ansi-language: IT;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">(trad. Umberto Saba, <em>Poesia,</em> José Manuel Vasconcelos, Assírio e Alvim, 2010)</span></span></div>
JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-83083182252147586082013-12-18T19:27:00.000+00:002013-12-18T19:27:21.461+00:00Gregor Von Rezzori por Claudio Magris<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">«Era uma vez, era uma vez o dia em que quis lançar um olhar sobre o futuro. Nada mais do que um pequeno olhar. Após algumas visões preliminares daquilo que, muito rapidamente, deveria ainda vir do passado, perdi toda e qualquer curiosidade pelo dia de amanhã. Aprendi que o que tem de vir, vem. O que tem de acontecer, acontece. Isto é assim, e ultrapassa-me. O que me deixa pouco poder de decisão em relação ao momento que se segue. Digo: esse instante que se segue - cada instante que se segue - transborda de fatalidade. O que sempre escolhi após madura reflexão está destinado a ter consequências de que não prevejo os meandros. Elas são determinadas pelo tempo. Implantam-se nele e nele se perdem como tudo o resto. A única prova de que alguma coisa se produziu é podermos contá-la. O mundo é um formidável sótão de contos sobre aquilo que já foi contado. Tudo que foi, foi-o como foram os sáurios. Era uma vez.»</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana;">Assim se inicia o livro <em>Mir auf der Spur,</em> de Gregor Von Rezzori (<em>Sur mes traces, </em>trad. Pierre Deshusses, Editions du Rocher/Le Serpent à Plumes, col. Motifs, 2006). </span><span style="font-family: Verdana;">Citar Rezzori, autor que comecei a ler em circunstâncias particularíssimas que não vem ao caso contar aqui e que consta há muito da lista de autores referidos neste blogue, vem agora a propósito do livro de Claudio Magris, recentemente editado em português (<em>Alfabetos,</em> trad. Antonio Sabler, Quetzal), que, reunindo textos dispersos, recolhe o discurso proferido pelo autor triestino na entrega do Prémio Rezzori em 2007 («O Epígono Precursor»). Amigo de Georg Von Rezzori, Grisha para os amigos, Magris traça do autor um justo e pessoal retrato.</span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana;">Rezzori não está publicado em Portugal. Pode ser que o prestígio de Magris contribua para que algum dia isso seja alterado.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-57356830768110811812013-12-07T13:54:00.000+00:002013-12-07T13:59:41.256+00:00Imaginar, escrever<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O que chamamos literatura é a metaforização ilimitada da viagem - limitada - da vida. Não importa que esta projecção metafórica se realize a partir de um cenário imóvel, nem sequer que o seu artífice renuncie a toda e qualquer deslocação física: em todos os casos, o escritor viaja sob o impulso do imprescindível motor da imaginação. Sem esse motor, não existe qualquer possibilidade de criação artística. Poderíamos estar todos de acordo a este respeito. Recordemos, contudo, que todas as tentativas de iluminar o significado da imaginação se realizaram sempre, obrigatoriamente, em termos de viagem e, mais concretamente, recorrendo ao contraste entre a realidade empírica, quotidiana, do homem e «outra realidade» atravessada por um sem fim de trajectos que conduzem a todas as partes e, simultaneamente, a nenhuma. Imaginar é percorrer, à deriva, alguns desses trajectos. Escrever é tratar de superar a deriva através da ilusão de um rumo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;">Rafael Argullol, «El "Viaje de viajes"» em <em>Maldita perfección. Escritos sobre el sacrifício y la celebración de la belleza,</em> Alcantilado, Barcelona, 2013.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-1722781918510827282013-12-03T13:47:00.001+00:002013-12-07T13:59:14.155+00:00Fármaco<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Fausto é mais convincente, a partir da consciência moderna, quando se erige em discípulo de Bacon e, especialmente, quando confia na técnica como o principal fármaco do homem para afastar o pesadelo do isolamento cósmico. Porque, de facto, este fármaco só adquire pleno poder no momento em que o Deus espectral que nos ronda, e através da grande engrenagem de Newton, não só é tido como indemonstrável, mas é também declarado indesejável. A técnica é o sonho de autodeterminação do homem que coincide com a maior consciência de solidão.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sob os impulsos deste sonho, a natureza chamada inanimada constitui um mero campo de experimentação. O máximo esplendor da utopia científico-técnica coincide com esta ideia, se bem que a moderna concepção matemático-experimental da natureza implique uma dupla repercussão sobre a imagem do homem. Por um lado, ao apresentar-se o cosmos como uma engrenagem perfeita, o conhecimento consiste em descobrir progressivamente as leis universais desta engrenagem. Por outro lado, ao ser esperançosamente factível a possibilidade deste descobrimento, o conhecimento deve facilitar, mediante a técnica, o domínio do cosmos. Conhecer é avançar até às leis ainda não reveladas, enquanto dominar é utilizar as leis já conhecidas. A «idade do progresso» converte o cientista em profeta e o engenheiro em messias.</span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;">Rafael Argullol, «La soledad después de Shakespeare», em <em>Maldita perfección. Escritos sobre el sacrifício y la celebración de la beleza,</em> Alantilado, Barcelona, 2013.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-17163311809485913802013-11-25T15:46:00.000+00:002014-02-15T11:16:13.615+00:00O Filho do Guardião dos Órfãos<span style="font-family: "Times New Roman","serif"; line-height: 115%; mso-bidi-font-weight: bold;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Se a literatura é uma
ficção que nos fala de uma verdade mais profunda, sinto que o meu livro é um
retrato muito exacto sobre como os princípios do totalitarismo devoram as
coisas que nos tornam humanos: liberdade, arte, escolha, identidade, expressão,
amor. E devido ao facto de poucas coisas acerca da Coreia do Norte serem
verificáveis (para além de imagens de satélite e de testemunhos de desertores),
isto parece ser um reino no qual o alcance imaginativo da ficção literária é o
nosso melhor instrumento para descobrir a dimensão humana de uma sociedade tão
fugidia.</span></span><o:p></o:p><br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Adam Johnson, autor de <em>The Orphan Master's Son,</em> em conversa com o editor David Ebbershoff. <br />Publicado pela Saída de Emergência em Janeiro de 2014 com o título <em>Vida Roubada</em>.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-90438753908833786052013-10-18T00:46:00.001+01:002013-10-18T12:53:14.780+01:00Virtuosismo<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Desconcertante, audacioso e sem precedentes? Notas sem conta
transmitidas no mais curto tempo possível? Um ribombar, soltado com entusiasmo?
Isto soa a bravura pelo amor da bravura. Uma parte considerável do público agradecê-la-á
com arrebatamento. Mas o estudo Romântico apontava mais alto. Desencadeado
pelos Caprichos de Paganini, o tecnicamente novo e o nunca ouvido antes tinha de ser contrabalançado
e justificado pela novidade musical, a coragem e a poesia. A seguir ao cume que
são os estudos de Chopin, os de Schumann, Liszt e Brahms <i style="mso-bidi-font-style: normal;">(Variações Paganini),</i> bem como os de Debussy, Bartók e Ligeti, dão
ao pianista a possibilidade de provar que, na sua interpretação, a música leva
a melhor. O virtuosismo, a propósito, revela-se útil mesmo se não passarmos
a maior parte das nossas horas de trabalho a lidar com estudos — na verdade,
particularmente nesse caso.<br />
Frequentemente, quando postos diante de sequências de escalas e sucessões rápidas de notas,
os intérpretes não conseguem evitar tocar mais depressa. Há uma
aceleração involuntária na interpretação de pianistas tecnicamente dotados — a
menos que a sua musicalidade lhes fiscalize os dedos. Tocar demasiado depressa
pode bem constituir um esforço físico menor do que cultivar uma disciplina que
controle cada um dos dedos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-family: Times New Roman;">
</span></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span lang="EN-US" style="mso-ansi-language: EN-US;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">Alfred
Brendel, <em>A Pianist’s A to Z. A Piano Lover´s Reader,</em> Faber and Faber, Londres,
2013.<o:p></o:p></span></span></span></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
</div>
</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Times New Roman;">
<o:p></o:p></span></div>
JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-18387152254060644742013-10-16T11:00:00.001+01:002013-10-16T11:00:39.418+01:00Sete argumentos para defender a poesia por entre o ruído<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sete argumentos para defender a poesia por entre o ruído. Também poderia ser: <em>Sete argumentos para defender a utopia por entre os lugares comuns.</em> Em ambos os casos, os argumentos são também cenários e atitudes. O silêncio, a origem, o intempestividade, a depuração, a lentidão, o jogo, a jovialidade. Há uma dependência mútua entre eles, e creio que servem para definir, hoje, tanto as coordenadas do facto poético como as pistas de uma certa rebeldia ou resistência.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O silêncio, em primeiro lugar, porque a poesia está essencialmente vinculada ao silêncio. Inclusivamente, num sentido anatómico. A poesia é um gotejo verbal que parte do silêncio, marca a fronteira do silêncio. É importante dizê-lo num momento em que nos movemos numa vertigem de ruído.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Rafael Argullol em <em>Maldita perfección, escritos sobre el sacrifício y la celebración de la belleza,</em> Acantilado, Barcelona, 2013.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-88019940824147515062013-09-23T18:14:00.002+01:002013-09-23T18:14:57.797+01:00António Ramos Rosa | 1924-2013
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">De escadas insubmissas</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de fechaduras alerta</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de chaves submersas</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">e roucos subterrâneos</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">onde a esperança enlouqueceu</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de notas dissonantes</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de um grito de loucura</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de toda a matéria escura</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">sufocada e contraída</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">nasce o grito claro</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><em>Viagem através de uma nebulosa</em> (1958)</span><br />
<span style="font-family: Verdana; font-size: x-small;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxxxxxx</span>*</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">C</span><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">avalo, cavalo da terra, saltas sobre</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">toda a pobreza chã ou obstáculo.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O vigor da palavra é evidência acesa</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">é saber-te do chão até à crina.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Quem te arranca a força de raiz</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">em que vale te cavam ou te calam,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de perfil ou de fronte és cavalo sempre,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">cavalo de sempre.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O teu nome é uma parede que nos fala</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">sobre o teu silêncio. E é um nome</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">que não se excede e horizontal se lê,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">a prumo.</span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 21.2pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span> </div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 21.2pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><em>Ciclo do cavalo</em> (1975)</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 21.2pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span> </div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 21.2pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxxxxxx</span>*</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 21.2pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span> </div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 21.2pt 0pt 0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Nada sabemos de quase tudo<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A vastidão<o:p></o:p></span></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">é inapreensível A simultaneidade<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">é inapreensível A disparidade <o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">é inapreensível E há um mutismo<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">no mundo e em nós que não se quebra
nunca<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Na página há um silêncio inexpugnável<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Talvez algo queira correr e dissipar-se<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">na correnteza da água Talvez um outro
espaço<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">mesmo na ignorância possa ser a
transparência<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Mas longe é tudo e vagaroso e recolhido<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Não progredimos na grande solidão que
envolve tudo<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ouvi-la? É quase deslumbrante e de uma <o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">densa tranquilidade que em nós demora<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">como se em nós houvesse correspondência<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ou não somos nós que criamos o
entendimento<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">que une as sombras que somos ao
sossegado império<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">que é tudo e nada no seu mudo
esplendor?<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Somos nós e é o mundo que cria a
substância<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de estar em que nada se abre e todavia
se abre<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><span style="font-family: "Courier New"; mso-bidi-font-family: "Times New Roman";"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">nas corolas de sono e no timbre da luz<o:p></o:p></span></span><br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><em>O Livro da Ignorância</em> (1988)</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-15818101631309538402013-09-19T11:41:00.001+01:002013-09-19T11:41:55.544+01:00Juan Luis Panero | 1942-2013<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><strong>Juegos para aplazar la muerte</strong></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Descobrir en outro</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">la palabra precisa,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">la desolada matéria del sueño,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">inmóvil, fija sobre el papel.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Palabra que nombra fantasmas</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">pero también llamaradas de vida</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">y - al fondo - el eco del mar,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">su perdurable presencia momentânea,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">olas y horas, sílabas y símbolos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Todo lo que nos queda, todo y nada:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">juegos para aplazar la muerte.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">em <em>Desapariciones y Fracasos</em> (1978)</span></span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-13640205459109449312013-08-30T16:30:00.004+01:002013-08-30T16:30:51.281+01:00SEAMUS HEANEY | 1939-2013<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Testimony: The Ajax Incident <br />(adapted from Sophocles)</span><br />
<br />
<br /><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Lamps had gone out, the late sentries dozed, <br />When something just came over him. <br />He rose And rigged for action, lifted down <br />His two-edged slashing sword, a bedside weapon <br />He kept like a second bedmate, then slipped outside <br />Far more nimbly than you’d have expected <br />For a man his size, with that night-mirroring <br />Blade in hand, aloft. Anything <br />I said meant nothing to him, mere <br />Wife-babble, ignored the same as ever, <br />Even though this time there was no attack <br />Being sounded, no command. <br /><br />Then he was back, <br />In through the tent door like a conquering drover <br />With his captives on a rope: bull calf, heifer, <br />Milk cows, rams and ewes, the very sheepdogs. <br />How long he’d rampaged through their pens and paddocks <br />Or why he was herding them I couldn’t tell <br />Until the butchering started. I can still <br />Hear the slosh of innards, piss and muck. <br />Some he beheaded with a single stroke <br />Down through the neck bone, some he wrestled flat, <br />Legs and belly up, and cut their throats, <br />For all the spurted dung and kicks and horn-toss. <br />Some that he tied and tortured like prisoners <br />Slit by slit, hamstring and lip and ear, <br />Just bled to death, hoofs beating at a chair. <br /><br />At last there came a lull, then a tirade <br />Against those chiefs he thought he’d left for dead <br />On the floor behind him, once comrades, men of honour, <br />But now reviled; he stood by the tent door <br />Bellowing hate and havoc and their names. <br />Then, bloody-spoored and raving, in he comes, <br />Returning to his senses bit by bit, <br />And starts to butt the tent-pole, going quiet <br />As he climbs and slips and struggles through a mess <br />Of entrails splattered and opened carcasses. <br />And so for a long while he just lay there dumb, <br />Dragging his nails and fingers for a comb <br />Through his slathered hair, breathing like a beast <br />Slack-mouthed and winded. But came round at last, <br />Risen off all fours to overbear, <br />Turning on me to explain the massacre, <br />So I told him what I think he knew he’d done. <br /><br />Then Ajax raised his voice in lamentation, <br />At bay now and in disproof of his rule <br />That warriors didn’t weep, they weren’t old women – <br />But soon his head-back, harrowing wail <br />Turned to the long deep moaning of a bull. <br /><br />Slumped, slow motioned, he is in there still, <br />Ensconced on a pile of slaughtered meat and offal, <br />Lowing to himself. Something gathers head <br />And is going to happen. We must pay him heed. <br />Nothing is over, only overdue. <br />A friend should go to him. One, friends, of you.</span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-18816504572419946432013-08-25T16:58:00.000+01:002013-08-25T16:58:01.492+01:00O trabalho e o repouso<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Deseja-se ter um trabalho, para ter direito ao repouso.</span><br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Cesare Pavese, <em>Ofício de Viver,</em> trad. de Alfredo Amorim, Relógio d'Água, 2004.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-16268946360773132712013-07-17T15:39:00.006+01:002013-07-17T15:39:59.035+01:00O empréstimo
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">– Então,
Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz? E
acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão do empréstimo
era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!...<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">O Cohen
colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o
empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os empréstimos em Portugal
constituíam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão
sabida como o imposto. A única ocupação mesmo dos ministérios era esta - cobrar
o imposto e fazer o empréstimo. E assim se havia de continuar...<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">Carlos não
entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e
lindamente para a bancarrota.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: "Verdana","sans-serif";">– Num galopesinho
muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso,
ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da fazenda!...
A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...<o:p></o:p></span></div>
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Eça de Queiróz, <em>Os Maias</em></span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-14587134875937056332013-07-01T18:47:00.002+01:002013-07-02T10:40:16.157+01:00Homenagem a Rubem Braga, ou A Indispensabilidade do Acordo Ortográfico...<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>São notas de minha última viagem a Portugal. «Devido ao rebentamento dum pneu de uma das rodas da retaguarda, despistou-se um autocarro...» - é assim que se conta, em Portugal, a história de um ônibus que derrapou. Ele pode ter colhido um peão (pedestre) na berma (acostamento) da estrada, ou um «miúdo (menino) que estava a jogar à bola». O corpo «encontra-se de velação (velório) hoje a partir das 16 horas».</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Pagar a renda do andar é pagar o aluguel do apartamento. O avião não decola, descola, e não aterrissa, aterra; e o sujeito que vem consertar a pia não é o bombeiro, é canalizador. Diga betão no lugar de cimento, e prefira dizer caixilharias a alumínio, no lugar de esquadrias de alumínio. Sua geladeira deve ser promovida frigorífico e seu banheiro a casa de banho. O aquecedor é esquentador, e o exaustor é «de fumos»; manicure é manucura; e não chame um empalhador, e sim um empalheireiro de cadeiras. Caminhão é camião, e quando ele bate não bate, embate; seu motorista é camionista. A casa (mobilada e não mobiliada) vende-se com «o recheio». Oferecem-se marçanos e turnantes, e mulheres a dias. Lanterneiro é mais logicamente bate-chapas e cardápio é ementa; esquadra é a delegacia da polícia. Quando lemos que «a equipa deixou o relvado depois de fazer o golo da igualdade», isso dá para entender. Caixa postal é apartado, aparelho de rádio é telefonia, parada é paragem e pedágio é portagem; carona é boleia, autoclismo é descarga da latrina, que não é latrina, é retrete. Panamenho é panamiano. Oran é Orão, Moscou é Moscovo, loteria é lotaria, bolsista é bolseiro, romaria é romagem. Leningrado é Leninegrado, suéter é camisola, e meia de homem é peúga, jazida de minério é jazigo, trecho da estrada é troço, mamão é papaia, troco é demasia, presunto cozido é fiambre, sorvete é gelado, travão é freio, marcha a trás é marcha à ré, <em>band-aid</em> é penso, e durex é fita-cola, bonde é eléctrico, berlinde é bola de gude (mas é masculino: jogar ao berlinde), cabedal é couro. A madeira é cortada na serração e não na serraria, a estrada não é asfaltada, é alcatroada, a sopa não esfria, arrefece; tomada de electricidade é ficha, nota oficiosa quer dizer nota oficial, estoque de mercadorias é existência, e liquidar é vender ao desbarato; a guimba ou bagana do cigarro no Brasil é beata em Portugal, e a equipa não deixa a concentração para fazer uma excursão, deixa o estágio para uma digressão; papel carbono é químico, não se diz que um sujeito é monarquista, diz-se que o gajo é monárquico.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">(...)</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Em uma crônica recente dei exemplos de diferenças usuais da linguagem em Lisboa e no Rio. Enviei essa crônica ao meu amigo Irineu Garcia que está morando em Lisboa. Ela manda, a meu pedido, um listinha suplementa de palavras que estranhou lá. A que lhe parece mais curiosa é «ardina» no sentido de vendedor de jornais, «jornaleiro». Outra que também lhe pareceu estranha é «patilha», no lugar de «costeleta» de cabelo, que é um brasileirismo; se você disser ao barbeiro para ele diminuir a sua costeleta ele não entenderá. O curioso é que «patilha» parece ser gíria, pois no Morais a palavra não aparece no sentido capilar, no sentido de «suíças».</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Português antigo, que lá continua em uso, é «paródia», no sentido de farra ou pagodeira, quando no Brasil é apenas imitação burlesca de alguma coisa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Há diferenças conhecidas de todos, como «comboio» que é o nosso «trem», «carruagem» que é o nosso «vagão», e «caminho de ferro», que é a nossa «estrada de ferro», mas a nossa «baldeação» lá é «transbordo», coisa menos sabida.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Se você entrar em um teatro com seu «chapéu de chuva» (forma muito mais usada que o «guarda-chuva») é obrigado a deixá-lo no «bengaleiro», que é o nosso «chapeleiro». Isto ao Irineu parece elegante, e ele fica a imaginar se o seu querido Fernando Pessoa usava bengala; acha que sim.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">(...)</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>«Ventoinha» é o nosso «ventilador», e «papeleira» é aquela «escrivaninha» de tampa inclinada e gavetas para guardar papéis. «Utente» é o nosso «usuário», «herdade» é «fazenda», e «carrinha» é «caminhoneta». </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">(...)</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Em um restaurante de certa classe, depois de ler a «ementa» e encomendar a comida, você chama o «escanção» para escolher o vinho. A palavra é antiga, e designava o oficial da casa real que deitava o vinho na copa e o apresentava ao rei. Aqui no Bife de Ouro ninguém chama o «escanção», e sim o <em>sommelier,</em> palavra francesa que induzir a gente a ter acanhamento de pedir um modesto Granja União gaúcho e mandar descer um Chateau ruinoso.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Mas a verdade é que eu já conhecia a palavra «escanção» porque ela figura em um poema de Vinícius de Moraes no sentido de garçom de bar; está na «Balada de Pedro Nava», poema de amigo, que tem até música, e começa assim:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Meu amigo Pedro Nava</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Em que navio embarcou:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>A bordo do Westphalia</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Ou a bordo do Lidador?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Os navios citados são, naturalmente, bares, e o mais frequentado por essa turma era o Recreio, na praça José de Alencar. Ali se juntavam Vinícius, Carlos leão,, o engenheiro Juca Chaves, Pedro Nava, o médico Chico Pires, o jornalista José Auto, e outros; só mais tarde vim a conhecer essa malta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Na segunda quadra o poeta perguntava:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Em que antárticas espumas</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Navega o navegador</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Em que brahmas, em que brumas</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xPedro</span> <span style="color: white;">xxx </span>Nava se afogou?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Mas longe é que veio a quadra com a palavra:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Se o tivesse aqui comigo</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Tudo se solucionava</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Diria ao garçom: «Escanção!»</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxxxxxxx</span>Uma pedra a Pedro Nava!</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxxxx</span>Aposto que a palavra escanção quem a meteu na roda foi o próprio Nava, amante de boas palavras antigas.</span><br />
<br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><a href="http://conteudosemportugues.wordpress.com/2013/07/01/rubem-braga/" target="_blank"><span style="font-size: x-small;">Rubem Braga</span></a><span style="font-size: x-small;">, «Em Portugal se Diz Assim» em <em>Pequena Antologia do Rubem Braga,</em> Selecção de Domício Proença Filho, Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 1996.</span></span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-49883090599232439022013-06-25T16:09:00.000+01:002013-06-25T16:19:38.097+01:00Livros raros - 4<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Livros raros não são apenas os que dificilmente se podem encontrar à venda ou de que apenas existem escassos exemplares. Livros raros são também aqueles que a sua natureza ou qualidade tornam raros.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: white;">xxx</span>Tenho o senhor José diante de mim, <span style="background-color: white;">todo</span> branco, com os socos nos pés e a camisa entreaberta no peito cheio de grenha cinzenta e vermelha como o monco de um peru. É assim que aparece todo esfarrapado. Olho para ele e para o casaco de remendos e tenho vontade de o abraçar. E não o abraço para não me perder o respeito. (Há-de me servir de muito o respeito quando estiver na cova!) Tem 80 anos e tudo desliza sobre ele como sobre uma trave. Nunca se altera. As vides estão a estragar-se - zango-me; ele só diz:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>- Vou alveitar. O ano não foi <em>cadible.</em></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Sabe lavrar, cavar, podar. E o que ele sabe tem séculos, o que ele diz tem séculos. são duas ou três ideias rudimentares e fórmulas de que se serviram os mortos para explicar a Vida e exprimir a Dor. Por isso o venero assim intacto e tremendo entre os montes denegridos.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>Todo o dia ralha com a mulher e ela com ele. Comigo é inalterável.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>- Porque não sulfatou as vides que se estragam?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>- Dilatei-me.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>- E agora onde vai?</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>- Vou ali a um pouco...</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>E segue o seu caminho com a enxada às costas. Quando lhe falo tem o ar de ouvir e aprovar, mas logo que volto as costas, é como se tivesse falado ao vento.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>Ele é bronco e solene como os bois, ela é esperta e velhaca. A senhora Rosa, que fala fanhoso, todo o dia resmunga e diz das outras que não carregam nem lavram:</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>- É uma mulher que não sai de trás das panelas.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>Levam horas a comer. Comer para o lavrador, que sabe o que lhe custa o pão, é um acto religioso. Moem e remoem devagar o caldo e a broa, com o respeito de nossos pais diante da mesa posta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">[...]</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Raul Brandão, excerto de «O meu caseiro», <em>A pedra ainda espera dar flor.</em> Dispersos 1891-1930, organização de Vasco Rosa, Quetzal, Lisboa, 2013.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-67519827025453560332013-06-21T13:43:00.001+01:002013-06-21T13:43:11.344+01:00Aos bons ingenhos<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A vós só canto, espritos bem nascidos,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">a vós, e às Musas ofereço a lira,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">ao Amor meus ais, e meus gemidos,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">compostos do seu fogo, e da sua ira.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Em vossos peitos sãos, limpos ouvidos,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">caiam meus versos, quais me Febo inspira.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Eu desta glória só fico contente,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">que a minha terra amei, e a minha gente.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;"><a href="http://conteudosemportugues.wordpress.com/2013/06/21/antonio-ferreira/" target="_blank">António Ferreira,</a> <em>Poemas Lusitanos.</em> Edição crítica, Introdução e Comentários de T. F. Earle, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2000.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-49789883239078555702013-06-15T11:55:00.000+01:002013-06-15T11:55:14.225+01:00Poesia<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="background-color: white; color: white;">xxx</span>César seguiu de longe com infantil respeito e susto a família, até àquela parte mais elevada da Foz, que chamam <em>Monte</em>. Viu-a entrar em casa, animou-se a convizinhar da porta, que se fechara com aquele estrondo, que é uma rija pancada em peitos de amantes, e por ali se deteve alguns minutos, contemplando as janelas, e dizendo entre si: «Ou me não me ama, ou me aparece, por detrás das vidraças, quando mais não seja».</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>Este monólogo não me parece tão lírico nem puxado de linguagem quanto era de esperar. Eu achava muito mais interessante que César começasse o seu monólogo por estas ou equivalentes palavras exclamativas: «Ó tecto abençoado, que cobre a mansão da minha amada! Ó receptáculo de um anjo! Ó pedaço de céu povoado por Ela»... <em>Et coetera.</em></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>Devia ser assim, e creio que até algumas vezes terá sucedido dizerem amantes coisas muito mais peitorais diante da pedra bruta que os separa do objecto amado; mas, a darem-se factos semelhantes, isto é, a apóstrofe do homem à pedra, eu ficarei propenso a crer que a inteligência da pedra tem razão para rir da inteligência do homem. O mais ordinário e corrente é não dizer ninguém semelhantes palavriados em casos análogos; e, portanto, César não disse disparate nenhum, pelo qual desde já o encartemos na repartição dos namorados alarves.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>O sucesso diz em crédito do moço. Dali a pouco, abriu-se subtilmente uma janela, rangeram gomas, ciciaram sedas, entre a compressão das mal-abertas portadas, e Clotilde encostou-se ao banzo da varanda.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>Neste ponto, César deu um testemunho indelével de seu puríssimo amor: é que não avançou um passo da sua postura estatuária, não proferiu um monossílabo, nem acreditou inventada a palavra própria da sua situação! Isto, leitor, é que é amar; isto é que é poesia. Creia vossa excelência que, se ele tivesse dito entre si: «Ó tecto abençoado que cobres a mansão da minha amada!» também depois exclamaria umas parvoiçadas muito mais graúdas, com as quais, meninas incautas se deixam embelicar, excepto aquelas que leram, ao saírem do colégio, histórias de tolos, e desde logo formaram em seu espírito uma espécie de estalão para lhes medirem a altura, quando a desgraça lhos deparar ao correr da vida.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="color: white;">xxx</span>A elas, e a nós, e a todos os que nos lerem, livre Deus de tolos, de tolos à força de estilo, que são os mais daninhos herpes do corpo social.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Camilo Castelo Branco, excerto de «César ou João Fernandes» em <em>As Novelas de Camilo, </em>selecção, prefácio e notas de Alexandre Cabral, Portugália Editora, Lisboa, 1961.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-78781437043229580342013-06-12T19:18:00.000+01:002013-06-12T21:45:41.991+01:00Pintor Búlgaro en la Vía Augusta<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: medium;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: medium;"></span></span><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"></span></span><br />
<div align="LEFT">
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Pintó el artista un tranvía</span></span></span><br />
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de la vieja Lisboa.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Volvió a pintar otro,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
recordando al anterior.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">El nuevo tranvía</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
esperaba su destino.</span><br />
<br />
</span></span></div>
<div align="LEFT">
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">(Una mujer</span></span></span><br />
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">lo vio bajo la luz caída,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
comprobó</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
su hermosa estampa,</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
y se lo llevó</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
para emprender en el</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
un viaje irrealizable)</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><br />
</span></span></div>
<div align="LEFT">
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Georgi Choraka</span></span></span><br />
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">alcanzo a decir:</span></span></span><br />
<span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span lang="JA" style="font-family: TimesNewRomanPSMT; font-size: small;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">"Obrigado”.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><span style="font-size: x-small;">Alfredo Pérez Alencart em <a href="http://www.crearensalamanca.com/wp-content/uploads/libros/antologia_bulgara.pdf" target="_blank">Antologia Búlgara,</a> Salamanca-Sófia, 2013.</span> </span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span></span></span><span style="font-family: NewBaskervilleStd-Roman;">|</span></div>
JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-35946048476947051712013-06-10T13:32:00.001+01:002013-06-10T13:32:08.418+01:00Dia de Camões e desta «mãe louca/que às vezes se imagina por madrasta»<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">A esta alta intenção fica obrigado</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">quem tanja lira ou pelas demais artes</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">sirva a brusca verdade do buscado</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">por tanto tempo e homem, polas partes</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">do mundo conhecido e do ignorado.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O talento, Natura, não repartes</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">de modo igual por todos. Mas quem canta</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">e o seu vero busque, os mais decanta.</span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">As Quybyrycas - poema ético em oitavas que corre como sendo de Luís Vaz de Camões em suspeitíssima atribuição de Frei Ioannes Garabatus - Canto Dois, CXXXI (publicado originalmente em Moçambique, com prefácio de Jorge de Sena, em 1972; Edições Afrontamento, Porto, 1991).</span><br />
<br />JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-25990199339720875302013-06-09T22:58:00.000+01:002013-06-09T22:58:03.917+01:00Combates<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">O mito grego ensina que combatemos sempre contra uma parte de nós próprios, aquela que já foi superada, Zeus contra Typhon, Apolo contra Python. Inversamente aquilo contra que combatemos é sempre uma parte de nós próprios, um antigo <em>eu</em>. Combatemos sobretudo para <em>não</em> sermos qualquer coisa, para nos libertarmos. Quem não tem grandes repugnâncias, não combate.</span><br />
<span style="font-family: Verdana;"></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Cesare Pavese, <em>Ofício de Viver,</em> trad. de Alfredo Amorim, Relógio d'Água, 2004.</span>JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-12219083751665652612013-06-03T14:13:00.002+01:002013-06-03T14:23:21.003+01:00Tragicomédia Lusitana <span style="font-family: Verdana, sans-serif;"> <em><span style="font-size: x-small;">para <a href="http://ofueiro.wordpress.com/2013/05/26/crateras-e-cristais/" target="_blank">Orlando Farinha</a></span></em></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;">
</span><br />
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">I</span></span><br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; line-height: 150%;">Apruma-se à aproximação
<br />
de sólidas passadas assentes <br />
na calçada. Num impulso,<br />
lança mãos ao pescoço <br />
e ajeita o nó corredio.´</span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">II</span></span><br />
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Descosido, desfiado,<br />
sem botões, comprimido<br />
sobre o tronco<br />
com tiras e cordões –<br />
nem é pelo frio,<br />
é pelo próprio colete.</span></span></div>
<span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">III</span></span><br />
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">As chancas, barcas apodrecidas
<br />
na doca seca do tempo,<br />
nada retêm na joeira da lembrança,<br />
no histórico das errância.<br />
Mas saíram bons, os sapatos: <br />
têm durado uma vida inteira. </span></span><br />
<br />
<span style="font-family: Verdana, sans-serif; line-height: 115%;">IV</span><br />
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Acomoda lastro, pedras
de acaso, <br />
peso calculado, <br />
na copa do chapéu pousado diante de si.<br />
Receio de vendaval ou arruaça,<br />
supõem todos. Não. <br />
Apenas arrimo, âncora de um momento,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><br />
para o caso de – criatura de Chagall – <br />
a fantasia o libertar da gravidade<br />
da situação.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span><br />
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"><o:p></o:p></span></span> </div>
JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2291265072796247625.post-73033252806513948662013-05-27T20:16:00.001+01:002013-05-29T19:03:13.995+01:00Se escrevo quatro palavras, apago três<br />
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Mais mon esprit
tremblant sur le choix de ses mots, </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">N'en dira jamais un, s'il ne tombe à
propos, </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Et ne saurait souffrir, qu'une phrase insipide </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Vienne à la fin d'un
vers remplir la place vide. </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Ainsi, recommençant un ouvrage vingt fois, </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Si
j'écris quatre mots, j'en effacerai trois. </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Maudit soit le premier dont la verve
insensée </span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Dans les bornes d'un vers renferma sa pensée,</span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Et, donnant a ses mots une étroite prison,</span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;">Voulut avec la rime enchaîner la raison!</span></span></div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif;"></span></span> </div>
<div class="MsoBodyText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">Boileau (1636-1711) </span></span><span lang="FR" style="mso-ansi-language: FR;"><span style="font-family: Verdana, sans-serif; font-size: x-small;">em <em>Satire</em> II</span> <o:p></o:p></span></div>
JChttp://www.blogger.com/profile/05308139242067851718noreply@blogger.com